sábado, 22 de dezembro de 2012

esperando pelo pai natal

Perdoem-me os amigos, os conhecidos, os desconhecidos e todos aqueles que passam por aqui e têm a generosidade de ler tudo aquilo que vejo, antevejo ou imagino. Perdoem-me mas até 2013 vou esperar noite e dia pelo Pai Natal e isso exige paciência, bom ouvido, dedicação e muita fantasia. 

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

a lição dos pinguins

A mulher soube de mais alguém bem próximo que iria ser obrigado a fechar a sua empresa pelas dificuldades dos tempos. Pensando no seu caso, a mulher agradeceu. Agradeceu tudo o que lhe cabia em sorte. Afinal, nas actuais circunstâncias, de nada valia o pânico por solidariedade. Pelo menos na sua forma de ver as coisas, o melhor mesmo era manter o foco, acreditar, e, usando a lição dos pinguins do Madagáscar, sorrir e acenar, sorrir e acenar de forma irónica, em jeito de careta infantil a esta crise filha da mãe que levava a energia de tanta gente.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

pedido de ano novo

Tenho saudades das Oficinas de Escrita da minha amiga Patrícia. 
Ela diz que não sabe por que razão eu vou; mas eu sei.  As Oficinas da Patrícia significam sair de coração cheio porque a cabeça e a imaginação ginasticaram as palavras, agarraram ideias adormecidas e empurraram-nas até saírem do casulo preguiçoso, rebentaram-lhes com as fraldas e obrigaram-nas a esticarem as pernas para caminhar com vida própria. Doideira? Talvez sim e tão boa. Anda lá Patrícia, faz-me o gosto, inventa mais uma Oficina em 2013.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

salvar a vida de um dia

A mulher leu o email e engasgou-se de riso. Leu um segundo e voltou a engasgar-se, as lágrimas de alegria escorrendo, as gargalhadas tão sonoras que foi necessário tapar a boca e abandonar a sala para não perturbar alguém que, ao telefone, tentava manter uma conversa séria (sem grande sucesso, claro, todo o mundo sabe que risada boa, contagia).
Há momentos que salvam a vida de um dia. E que se lixem as rugas.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

onde tens andado?

Depois do almoço a mulher pensou como era bom poder privar com pessoas que acreditavam. Acreditavam na vida, acreditavam no seu coração ao ponto de respeitar o que lhes dizia como norte do seu caminho, acreditavam nos seus sonhos ao ponto de os tornar realidade. Talvez isso lhes desse alguns dissabores mas a realidade era que, feitas as contas de uma existência, os ganhos eram mais que as perdas, a visão diária no espelho podia apresentar mais rugas mas era vertical, honesta, verdadeira. 
A mulher tinha almoçado com alguém assim. Ela sabia que a mesma semente morava dentro dela e sempre tinha sido aquela que fizera os momentos mais felizes da sua vida. Com um sorriso, pensou sobre si mesma 'onde tens andado?'. E então, acreditou ainda mais na sua forma tresloucada de ser optimista. A velha bolha de sempre, a anti-chatices e anti-merdas comezinhas, a das grandes viragens na sua vida,  suspirou de alívio e, devagarinho, com gentileza, começou a formar-se em torno dela.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

músicas da minha vida II



Não sei se é da época, da idade ou do eventual fim do mundo anunciado e explorado por tantos, mas esta semana deu-me para isto. Estou nostálgica daquela forma estranha: ter vontade de saborear um passado sem ter vontade de regressar a ele por saber que já não seria igual. Ladies & Gentlemen, mais um som que me lembra noites de verão, sentada ao lado de amigos a desejar que o tempo durasse mais que os segundos dos nossos relógios mas a chegar a casa de coração cheio, na certeza de que no dia seguinte haveria mais. Ladies & Gentlemen, king Bowie.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

uma das músicas da minha vida



Hoje lembrei-me deste senhor que fez das festas de garagem da minha adolescência acontecimentos inesquecíveis. Esta música é claramente uma das músicas da minha vida, uma daquelas que desperta a nostalgia-boa, aquela que nos torna felizes por dentro pelas gargalhadas que ficam marcadas na pele, pelos primeiros namoros, pelos slows dançados em abraços que gravaram a ferro sensações que não voltam a repetir-se. A minha adolescência foi infinitamente feliz. Esse é um valor que guardo e que nada nem ninguém nunca poderá retirar.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

in a frank&charles mood



Há semanas que começam verdadeiramente bem.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

incurável

Entre cabos, luzes, câmaras, filmagens de planos, a mulher trabalhava no computador, dando atenção a demasiados assuntos de cada vez, resolvendo imprevistos, recebendo e devolvendo alguma pressão. As horas de sono tinham sido poucas mas, apesar de tudo, no meio do bom ambiente e da mudança saudável de espaço, a mulher sentia-se bem. O prazer da quebra de rotina fazia parte do seu DNA. Mais do que um sintoma, era uma característica incurável.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

all work and no play

Gostaria de dizer que tenho andado por fora por causa do Natal. Gostaria de dizer que ando afastada destas linhas há alguns dias por estar a fazer nada. Não é assim. Ando virada do avesso, a contar minutos como se fossem os últimos da vida sendo que na verdade, não são. Ás vezes fica um amargo de boca do qual não gosto e que me retira energia. Como dizia a música: All work and no play, makes Johnny a dull boy. Hoje é assim que me sinto. E teria razões para festejar. Mas, a solo, não tem graça nenhuma. 

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

5, 4, 3,...


5, 4, 3, 2, 1, 0... Câmaras, Luzes, Acção... comece o Natal. Vou colocar fantasia e estrelas em casa, vou visitar a magia nas ruas. Assim vai ser o meu fim de semana. Não quero mais nada.

(obrigada Alexandra Ribeiro, pela foto)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

poder celular

O corpo não responde. A cabeça também não. Mais vale a pena aceitar os arrepios e, por um dia, assumir que as células exigem um pouco de descanso. Afinal, o organismo é sempre soberano e, quer queiramos, quer não, um dia acaba por mandar na vontade, na capacidade e ordena apenas sossego. Hoje é esse dia a 40%.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

o fio da indecência

A mulher desligou o telefone e pensou que no sistema de valores dela, na coluna vertebral dela, criada e sustentada pelas crenças dos pais, havia assuntos que não se resolviam por esse meio, que a decência e a coragem concorreriam para que fossem ditos cara-a-cara, com frontalidade e não a coberto de um fio telefónico.
A mulher teve um momento de compaixão por si própria; mas dez minutos depois, desejou boa sorte ao desalmado e devagarinho procurou dizer adeus de maneira a orientar a sua atenção para a frente. Afinal, não havia outro caminho.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

never say never

Defender penalties, é a expressāo que o meu marido usa para dias especialmente complicados. Até posso concordar mas confesso que me enerva nāo ter o mesmo tipo de retorno. Nunca pensei comparar-me a um jogador de futebol. Pode ser que suba à primeira divisāo depois de tanto esforço.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

tudo a seu tempo

Ouço-te com uma voz cansada...

Disse a amiga, do outro lado do éter telefónico.
A mulher desculpou-se com o trabalho, deu uma cambalhota verbal e procurou retirar importância ao conteúdo da pergunta, falando do entusiasmo do projecto em curso. Mas a pergunta mais difícil veio depois

E as tuas escritas...?

A mulher engasgou; foi nesse momento que sentiu o peso das frases não ditas, das histórias não contadas, da saudade de se entregar de alma e coração a personagens nascidos sabe-Deus-de-onde, nascendo, vivendo e morrendo com eles.
Conhecendo o significado do seu silêncio, a amiga rematou:

Tem calma. Tudo tem o seu tempo. 

A mulher ficou sem calma ou com a inquietação renascida. Já era um começo.

domingo, 18 de novembro de 2012

obrigada múltiplo

Era sexta-feira. A mulher encontrou conhecidos, trocou beijos e cumprimentos. A nota mais importante foi o queixume de todos da sua ausência na escrita. Sentindo-se quentinha por dentro, a mulher pensou como era bom ser lida, sobretudo como era bom os manifestos da sua falta de palavras no blog que era a sua disciplina diária. Achou então que todos mereciam a sua atenção e resolveu explicar que por razões de trabalho estaria fora até dia 21. 
Obrigada a todos.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

domingo em madagáscar

O miúdo mais velho estava com o pai. O mais novo, estava cansado de um sábado demasiado cheio de actividade. O dia estava solarengo mas frio. Decidimos ficar por casa, aproveitar o quentinho e brincar. Foi um domingo em cheio que culminou com Madagáscar 3. Não sei quem vibra mais, aliás nunca soube, se era eu ou os miúdos. O que sei é que adoro esta coisa do Outono, agarrados no sofá, entre petiscos simples como bolachas e pipocas, as mãos dadas, colo, e filmes que me divertem e comovem, passem eles as vezes que passarem e, em muitos casos, seja qual for a medida da sua antiguidade. Chama-se nunca deixar de ser criança ou talvez seja eu que prefira acreditar nisso.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

desarticulada

Tenham um bom fim de semana que eu não consigo articular mais.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

simplicidade

E de repente, veio a pausa, o intervalo, a paragem. A mulher, à espera de respostas, ficou parada, algo desconhecido nos últimos meses. Pensou em arrumar gavetas ou papelada chata mas achou que tinha direito a melhor. Um café e um pastel de nata:; muito fácil, económico e bom. É um facto: vida está cheia de soluções simples.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

desprogramar

O professor de Pilates usou metáforas perfeitas. Pelo menos para ela, que conseguia transportar para a transparência do nada, as palavras em imagens. Ele falou em desprogramar, e ela gostou da ideia,apreciou um novo verbo no seu léxico corporal, sobretudo porque confiava que seria para melhor. O corpo dela foi reagindo, obedecendo às indicações precisas dele. Ela compreendeu a existência de mais músculos e a possibilidade de respirar e reagir de forma diferente. Des-programação tinha tudo a ver com ela. A mulher sorriu para dentro e, pela primeira vez em muitas semanas, nessa noite dormiu sem que o corpo se queixasse.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

a importância dos finais

Um dos maiores prazeres de um fim de semana longo é entregar-me à leitura das palavras que formam as histórias que nasceram da cabeça de outrem.
Assim foi nos quatro dias do feriado; entre um pouco de chuva, paisagens desconhecidas e a companhia da família, entrei de cabeça na Ferrugem Americana de Philipp Meyer. Uma história triste, muito triste mesmo, talvez um pouco longe do que eu precisava nesses dias. Mas, como diz a minha amiga Patrícia, por vezes é bom sair da velha zona de conforto. Mergulhei nas páginas, como sempre envolvi-me demasiado na trama, ficando melancólica, por vezes algo deprimida com a (má) sorte dos personagens. O livro vai num crescendo dramático que por vezes lembra as obras mais pungentes de Steinbeck. Ao chegar perto do fim, estava sem fôlego, receando pelo destino de todos aqueles que sempre imagino com demasiada realidade. Contudo, confesso que o final me desconcertou. Pareceu-me um pouco à pressa, resolvido demasiado rápido, quase demasiado happy ending (se é que se pode classificar assim) para um desespero tão longo. Quem sou eu para opinar? Ninguém. Mas foi o que senti. Ao contrário do que imaginava, não será um dos meus livros de 2012. Os finais são tão importantes como os princípios, na minha óptica. Fico defraudada quando uma obra me agarra pelos colarinhos e depois me larga num beijo rápido e sensaborão.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

off


Entre a vegetação e a praia de Inverno, é onde me encontrarão até segunda-feira. Relax absoluto, a não ser para ler coisas bonitas escritas por outros.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

não há bela sem senão

Uma semana mais curta dá sempre algum foco e esperança num descanso merecido. Por outro lado, as dores do velho amigo moderno chamado stress acentuam-se. Hélas ou, em bom tuga, temos pena, dirão os Senhores lá de cima. Não há bela sem senão.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

21h, são luiz

Vai ser hoje à noite, no Teatro São Luiz. Uma peça de Strindberg, encenada pelo meu velho amigo Marco Martins. Façam o favor de ir ver, cada bilhete custa apenas dezassete euros.Quem se esforça por fazer algo pela Cultura deste país, merece. Nem que seja para persistir na coragem de realizar.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

declaração de amor a uma amiga

Tenho uma sócia que apenas o é de palavra e isso vale muito mais que papéis assinados. Tenho uma sócia que antes do trabalho, durante o trabalho e depois do trabalho é acima de tudo uma amiga, e isso é verdadeiramente invulgar.
Ontem, disse-me 'Caramba porque é que eu não te encontrei antes?'; eu respondi que Deus sabe o que faz, escolhendo os momentos certos.
Os amigos também se amam mesmo se de forma diferente daqueles que habitualmente chamamos de nossos amados. Mas eu tenho por certo que merecem saber do nosso apreço tanto quanto os outros. E se há coisa de que nunca tive vergonha foi de o declarar. 
É bom saber que, a qualquer idade, podemos encontrar pessoas especiais e fazê-las parte da nossa vida. Um quentinho bom que dá conforto e muita esperança.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

life


Por esta semana, chega. Tenham um bom fim de semana.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

la mala educación

Detesto gente com faltas de atenção. Detesto gente que não valoriza o trabalho dos outros e lhes falta ao respeito. E, acima de tudo, detesto gente que não percebe uma boa vontade e a disponibilidade de outrem, mesmo se este não cobra nada por isso. Nestes tempos isso deveria ser mil vezes agradecido. É sinal de que ainda há gente que pensa que o trabalho apenas merece atenção quando cobrado com juros. La mala educación, diria a minha mãe. Eu chamo-lhe falta de noção e inteligência.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

era muito

Entre lágrimas, desespero e culpa, a mulher foi obrigada a fazer uma pausa e escutou o homem. Ele pegou-lhe na mão com doçura e então cresceu, amadureceu, tornou-se adulto e Pai. Por palavras e gestos deu-lhe tudo o que ela precisava. Esse tudo resumia-se a colo, atenção, responsabilidade e também a serenidade que, ela, havia perdido. Era muito. Quando ele acabou de usar a sua voz grave e bonita, fê-la aninhar-se nos seus braços. A mulher respirou fundo, fechou os olhos e viu-se transformada em chocolate quente dissolvendo-se de forma gentil na pele dele.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

por nada deste mundo

A mulher trouxe o filho pequenino para o escritório. De tempos a tempos, entre email e email, observava-o, vendo com prazer como sorria com pequenos filmes do Winnie the Pooh. No meio do stress, eram momentos de pausa e presença, que ela não trocaria por nada deste mundo.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

elástico virtual

Hoje não estica mais. 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

sentir a mais

Detesto pressentir a doença nos miúdos. Claro que é terrível quando se trata de qualquer membro da família, mas quando é com os miúdos, não há nada que me custe mais. Pode ser apenas uma gripe daquelas, um bichinho que picou ou outra coisa qualquer que no fundo não terá mais importância que uns dias de cama; não importa o quê, o facto de ter o condão de antecipar, de olhar para os olhos e perceber um brilho que desmaiou, uma temperatura nas mãos diferente, um encostar de cabeça fora do vulgar, dói como o ráio na pele da maternidade. Ser mãe tem esta parte de tramado. A gente-mãe intui, pressente e sente, a mais. Acreditem, elementos do género masculino, Deus Nosso Senhor, Buda ou a vossa mãezinha e paizinho ao fazerem-vos homens, de certa maneira, livraram-vos desta. Mas nunca ninguém disse que ser Mulher era fácil. Nem Deus.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

o sinal

Deu de si no fim de semana e disse que não aguentava mais. Obrigou-a a deitar-se e a deitar cá para fora semanas com dias na tensão superiores a vinte e quatro horas. Fê-la vergar e admitir que precisava de restabelecer melhor as forças e o equilíbrio. Ela cedeu porque não havia outro remédio. A semana recomeçou e a adrenalina ganhou um pouco de terreno. Mas ele não está para isso porque o seu único fito é preservá-la, à mulher, e por isso agora não deixa que a adrenalina vença como vence tantas vezes. Hoje à noite deu-lhe o sinal da ansiedade e da insónia, conseguindo que ela se agitasse e entrasse no segundo dia, exausta. 
O corpo, quando sabe que tem razão, não desiste. Assustada, a mulher, hoje, vai dar-lhe mais atenção.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

ao meu filho Tomás


'Só preciso de cinco minutos.'

A mulher fechou a porta do escritório, voltou a sentar-se na cadeira, estendeu as pernas sobre a secretária, fechou os olhos e procurou um momento daquele dia na memória. Dezasseis anos voltaram atrás. 

Close up de barriga enorme, seguido de plano mais aberto sobre pernas de mulher sobre um pouf. As pernas tremem em solavancos. Imagem gira sobre si própria. Mulher ri em gargalhadas que não se deixam ouvir. Imagem dissolve-se, anda mais rápido. Um Fiat Cinquecento desloca-se sem grande velocidade numa madrugada  que parece quente pela luminosidade das ruas. As imagens atropelam-se de novo. Numa enfermaria, mulher segura recém-nascido nos braços.

Abriu os olhos e sorriu. Era certo. Aquela criança tinha nascido depois de um ataque de riso. Talvez por isso fosse tão excepcional. Ou talvez o fosse pelo amor com que tinha sido concebida, pela gravidez serena, ou apenas... porque sim. 

'Empurrei-te com gargalhadas e tu devolves-me sorrisos todos os dias. Obrigada meu anjo de dezasseis anos.'

(repeti o texto do ano passado mas esta é a minha memória eterna do nascimento do meu filho Tomás, uma das minhas obras mais perfeitas)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

a esta hora

A esta hora, há dezasseis anos, a minha barriga era descomunal, as pernas pesavam e no espírito pairava uma sensação estranha, de serenidade e felicidade quieta. Mas tudo aconteceu amanhã, um dos dias mais importantes da minha vida.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

em jeito de messi

Hoje joga o Benfica com o Barcelona e eu sinto-me como o Messi ou o Ronaldo a correr atrás de várias bolas ou, como diria o meu marido, a defender penalties por todos os lados. Daqui a nada soa o apito da família por isso desculpem mas não vou a mais jogo nenhum.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

ninguém me agarra

Hoje, esqueçam-me, a não ser que me queiram apanhar no carro ou no éter da net. Estarei em trânsito grande parte do dia e nem o telemóvel me safa porque está praticamente transformado num telefixo, de tão velhinho. Amanhã estarei de volta, deserta por um dia mais tranquilo. E a semana ainda agora começa...

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

nada mais a pedir

Estou cheia de arrepios (já me enchi de comprimidos para desviar uma gripe-cabra), cansada nas horas, ainda faltam muitos minutos, mimos, atenção para dar e uma pequena conferência para preparar para amanhã. Como vou lá chegar? Não sei, sei apenas que o fim de semana vai ser apenas domingo; mas não importa porque foi uma semana do (bom) caraças, cheia de gente boa, que sabe trabalhar, de gestos plenos de boas acções como fazer ganhar anos de vida a quem por vezes pensa já nada ter que acrescentar a este mundo (embora eu saiba a falta que sempre me faz e o muito que pode ainda fazer). Dever cumprido e coração cheio. Que mais se pode pedir? Nada. Apenas agradecer.
Tenham um bom fim de semana.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

equilíbriodesiquilibrado


Já não me lembro de onde roubei esta imagem (e quem quer que seja que me perdoe). O que sei é que sempre que olho para ela me sinto bem e de certa forma me revejo. Não por falta de modéstia, sou consciente que a idade e a frescura já não são aquelas; mas mais por esta espécie de equilíbrio desiquilibrado com que sempre vejo e perspectivo a vida. A mestria de conduzir um destino (mesmo se nas alturas que me fazem tanto medo) acompanhada de pilares firmes e uma visão fantasiosa da existência que me ajuda a acreditar, ainda que por vezes seja obrigada a dar um trambolhão gigante. Venham eles, venham todas quedas que se revelarem necessárias. São quem me obriga a bater com os pés na terra para depois poder ganhar impulso de novo.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

uma vez por outra

Perto das sete da tarde, a mulher verificou o email e ficou farta de se sentir impotente e incapaz. Era difícil manter o elástico sob tensão exterior durante demasiado tempo. Compreendendo que não aguentava mais, a mulher baixou os braços e desistiu. Afinal, também tinha direito, uma vez por outra até podia ser. E aquilo que ela não queria mesmo e jurara para nunca mais, era sentir o pânico que em tempos sentira ou angustiar-se com a velha conhecida culpa injustificada. Alguém a ajudara a ter como objectivo aspirá-la da sua vida para sempre. Isso, nem que fosse apenas isso, ela ia cumprir. Desistir podia perfeitamente fazer parte da equação. Sobretudo da equação humana.

la luna



Fomos ao cinema com o miúdo mais pequeno para ver o Brave. Na boa tradição da Pixar, recentemente algo perdida, um pequeno filme antecedeu o principal. Bati palmas de contentamento como uma criança, adoro as curtas da Pixar. E, mais uma vez, não fiquei desiludida. Deixo aqui um excerto do La Luna, com o qual sorri e sobretudo deitei algumas lágrimas. É preciso vê-lo até ao fim para perceber o alcance da beleza. Claro que meu marido se riu de mim e o miúdo ficou surpreendido; mas é inevitável, as histórias simples e bonitas comovem-me sempre até às entranhas. Há muito tempo que compreendi que não será o passar dos anos que me irá curar disso.

(Este era para ter sido o post de ontem. Infelizmente não houve tempo.)

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

a razão de Einstein

Corre que corre. E ainda falta um dia. Há semanas que parecem meses. Quando isso acontece, é bom. É sinal de que se conseguiu fazer muito no tempo que às vezes parece pouco. Einstein tinha razão.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

o gesto


Há dias em que o gesto favorito é este. Delicadamente, com o ar mais doce e feminino do mundo, mas este gesto é o que se recomenda. São dias bons. Significa que estamos de pé, prontos para mais uma provocação, decididos a não aceitar o que não temos de aceitar, sem medo, acreditando naquilo que somos capazes. E depois, o gesto descontrai, retira tensões desnecessárias, solta gargalhadas de quem nos aprecia. Terapêutico, portanto, e à borla.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

depois do éter

A senhora mostrava-se desalentada do outro lado da linha. A voz, sem força, revelava receios, abandonos, desistência. Como em todas as vezes, a filha assustou-se: eram muitos os anos, talvez pouco repletos de momentos plenos. Havia pouco por onde ajudar, sobretudo no passado, o presente era um reflexo de decisões de vida,  da escolha de caminhos mais certos ou errados a percorrer. Sentindo a impotência, optou pela solução habitual: fazê-la sorrir com os episódios dos netos, romancear um pouco mais a sua vida, oferecer-lhe um desafio de novidade. Do outro lado do éter, a cor da voz foi-se tornando mais colorida, um pouco mais vivaz. Quando desligou a chamada, a filha sentiu um sentido de urgência invadindo-a por completo. Uma verdadeira merda.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

quando importa, não se deixa para amanhã

A mulher começou o dia a desfazer um mau sabor de boca, um final de semana que não tinha sido grato, a incerteza a pairar-lhe na mente e sobretudo no coração. A questão era exactamente essa, quando os maus sabores de boca metafóricos perfuravam o coração, por pequenos que fossem. Era sinal de que quem os produzira (com intenção ou sem ela) era alguém que importava, alguém que merecia o seu respeito, a sua consideração, acima de tudo a sua estima, porque os outros dois critérios sentia-os ela por vezes por outras pessoas sem contudo as estimar. O verbo fazia a diferença entre o importar-se ou ou não se importar ao ponto de as transformar em seres transparentes. Não era esse o caso e por isso não perdeu tempo, investiu, deu voz à amargura, deixou sair o incómodo. Valeu a pena. A mulher que ela estimava comportou-se à altura, resolveram o assunto sem medos nem rodeios, deram um abraço como as mulheres que se respeitam e se apreciam sabem dar, e voltaram ao trabalho que faziam juntas. Ao final do dia não sobrava mais nada. Apenas uma alegria no coração. Uma enorme alegria cheia de doçura.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

semana-bomba


Olhando para trás, a mulher achou que poderia classificar a semana como semana-bomba. À excepção de um, não houvera dia sem pelo menos uma surpresa chata e quase todos tinham arrastado consigo as surpresas mais desagradáveis do país, escalpelizadas por todos os lados e por isso vezes sem conta repetidas na memória. A mulher disse para consigo que também poderia classificá-la com todo o vernáculo do dicionário; isso serviria de descontrator, se é que a palavra existia, e talvez fosse melhor do ponto de vista psicológico. Pegou então na caneta com a tinta mais permanente e escreveu nos espaços livres da agenda todas as palavras que lhe vinham à mente para insultar a semana. Quando acabou sentia-se mais levezinha. Não resolvera nada, é certo, mas a sensação era de que agora podia começar uma nova semana (quase) sem lastro.

(o grafitti maravilhoso é de DOLK)

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

a vespa

A criança entrou no seu terceiro dia de adaptação à Escola-Nova de sorriso na cara e asas nos pés. Descansado, o meu coração levou-me ao café do colégio para uma conversa breve, no tempo que me restava até ir buscar o miúdo. No regresso à sala de aula ouvi um choro estridente e bem conhecido: o meu filho chorava como se não houvesse ontem, nem hoje e muito menos amanhã. A razão não era a escola mas sim uma picada de vespa que ele não deixara tratar e que então devia doer como os infernos. Levei-o para casa com ambos os corações destroçados: o dele pela injustiça e incompreensão, o meu pela chatice de ter que ser mãe forte e obrigar uma mão pequenina a um tratamento quando o que apetece é ser solidária no choro e matar todas as vespas do mundo. Agora rezo para que a Escola-Nova não seja durante uns tempos a Escola-Detestada. Assuntos prosaicos da vida? Claro que sim. Mas lá que doem como o caraças, lá isso doem. E não há tempo, filhos mais velhos ou experiência que os façam passar.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

ufa

Um dia que começou e acabou bem. Centrada em projectos e na família, ou seja agindo em causa própria e desfocando a atenção das desgraças do país. Boas notícias chegaram e avanços foram feitos. Antecipar não vale a pena, tomar consciência e não paralizar, sim.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

três macacos

Há certas alturas em que me apetece fazer como os três macacos: não ouvir, não ver, não falar. Talvez seja mesmo o melhor. Empregar os três verbos e acrescentar mais um: AGIR.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

ainda mais.

Como começar uma semana com metade do país deprimido (ainda mais) e a outra metade em processo de paralisação (ainda mais) causada pelo medo? Parece-me haver apenas uma maneira, sobretudo quando não existe espírito de união: não se deixar vencer pelo medo e focar-se. Ainda mais.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

o cano de uma pistola pelo cu

O texto que se segue foi retirado do blogue adevidacomedia, mais um dos que vale a pena seguir. A introdução, irrepreensível pela pertinência, é do autor do blogue, Miguel Carvalho; o texto que ele cita, de seguida, do escritor espanhol Juan José Millás. São textos para quem não se importa de começar o fim de semana com um soco no estômago ou um banho de realidade. Pela minha parte, e porque gosto de ter os olhos bem abertos, nada mais há a acrescentar.

O escritor espanhol Juan José Millás, editado em várias dezenas de países, publicou o texto que vão ler abaixo no El Pais. O artigo é já um fenómeno nas redes sociais, comentado em várias latitudes. É importante e ainda bem. Sinal de que as palavras podem e ainda querem dizer algo de substancial (ao contrário do que se faz dentro da eurocracia, como lembra hoje Rui Tavares, no Público). Pena que se leia, se discuta, se guarde, se clique no «like», se partilhe…e mais nada. Amanhã será um dia igual. Mas se as palavras fossem, de facto, corpo e movimento, amanhã podia ser um dia diferente. O primeiro dia do resto das nossas vidas, quem sabe?
O cano de uma pistola pelo cu
Por Juan José Millás

Se percebemos bem – e não é fácil, porque somos um bocado tontos -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.
Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.
Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas – e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.
Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.
A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país – este, por acaso -, e diz “compro” ou “vendo” com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.
Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública – onde estas ainda existem – os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres. E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.
Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.
A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.
A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.
Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.
Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.
Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

day after

O corpo não responde. A cabeça recusa-se a pensar. Os olhos procuram uma desculpa, toda e qualquer oportunidade para se fechar, em perfeito complot com o cérebro. Se existissem homenzinhos minúsculos cá dentro, cuidadosos responsáveis pela manutenção do sistema, encontrar-se-iam neste momento em perfeita sintonia, desligando interruptores, apertando botões na posição off, sem sapatos nem meias e em bicos dos pés para produzir o menor ruído possível.
A isto se chama ressaca. Não de uma noite bem passada mas antes do regresso das profundezas.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

ser das profundezas

Dois dias de clausura numa sala sem janelas. A energia esvaíu-se, o nariz em queixume traduzido em ar condicionado. Decididamente, nunca regressarei a esta vida em forma de ser das profundezas.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

o corte

Ai-que-calor, pensou a mulher logo pela manhã. Depois, cortou o cabelo e com o acto ganhou leveza e rejeitou parte da temperatura. Passou o resto do dia a adaptar-se a uma nova imagem. Ela gostava disso. Era mais uma simples quebra da rotina.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

barco negro



De manhã temendo que me achasses feia,
acordei tremendo deitada na areia,
mas logo os teus olhos disseram que não
e o sol penetrou no meu coração.

Vi depois, numa rocha, uma cruz,
e o teu barco negro dançava na luz;
vi teu braço acenando, entre as velas já soltas.
Dizem as velhas da praia que não voltas...
São loucas! São loucas!

Eu sei, meu amor,
que nem chegaste a partir,
pois tudo em meu redor
me diz que estás sempre comigo.

No vento que lança
areia nos vidros,
na água que canta,
no fogo mortiço, 
no calor do leito,
nos bancos vazios,
dentro do meu peito
estás sempre comigo.


A primeira vez que ouvi este poema de David Mourão Ferreira cantado por Amália, tinha treze anos. Lembro-me que me deixou sentada no chão com uma impressão fortíssima que fazia ligação directa ao coração e daí a um nó na garganta. Nunca mais me esqueci dele ou dos acordes iniciais da guitarra com as pancadas secas na madeira. Ontem voltei a ouvi-lo na voz de Teresa Lopes Alves. Comovi-me até às entranhas, mais uma vez. Palavras, música e voz. Raras são as uniões mais sublimes.


quinta-feira, 30 de agosto de 2012

leituras de verão VII


A capa do meu não é esta mas para o caso não interessa. Foi-me trazido de Praga e conta a correspondência entre Rainer Maria Rilke e um aspirante a poeta. Absolutamente delicioso, lê-se num sopro, com lápis ao lado para ir sublinhando passagens, e o polegar e indicador prontos para marcar as páginas que não queremos esquecer. Ideal para quem quer fazer da escrita uma parte importante da sua vida, vai por essa razão ficar na minha mesinha de cabeceira para sempre ou, por outras palavras, para que não me esqueça por que razão escrevo e preciso de o fazer.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

leituras de verão VI

Parrot e Olivier na América é descrito na contracapa como 'uma improvisação sobre a vida de Alex de Tocqueville'. Improvisação ou não, é um livro extremamente interessante que me agarrou pelos cabelos e não desistiu até que eu, quase sem fôlego, devorasse a última página. Uma extraordinária lição de História que passa pelos tempos da Revolução Francesa e que depois se vira para a América, fazendo-nos entender a génese do 'carácter americano' no seu contraste com as sociedades europeias, em especial a francesa. Com uma riqueza extrema de pormenores, a linguagem de Peter Carey é tão visual que nos faz ler a obra como se víssemos um filme daqueles bons onde o drama se enrola e desenrola com trejeitos de grande humor. Ainda por cima baseado na verdadeira história de Alex de Tocqueville, é mais um daqueles a não perder e a ter na biblioteca. Este tem sido um Verão realmente pródigo.

(obrigada Paula M.P!)

terça-feira, 28 de agosto de 2012

também este dia passará

A mulher sentia uma pedra no peito. Não sabia se era fruto do assalto da amiga no dia anterior, em plena luz do dia, das conversas sobre roubos e violações mais tarde, quando a noite já entrara, ou dos sonhos turbulentos resultantes de tudo isso que a tinham separado do descanso, sem que deles tivesse qualquer espécie de lembrança a não ser a da sensação da dita pedra no peito temperada por algumas imagens difusas espalhadas pela memória. Saiu demasiado tarde de casa. Deu por si a sentir medo pelo filho mais novo, tomou consciência das palavras que lhe dissera e que não queria proferir, as palavras da desconfiança nos outros, do mal que nos rodeia mesmo que não o queiramos ver. Odiava a desconfiança, odiava a necessidade de a ter. O seu mundo imaginado e sempre útil era um mundo seguro, bonito embora por vezes desequilibrado, contudo um mundo no qual as pessoas têm sempre uma segunda oportunidade. Era sempre esse mundo que a fazia avançar e sobretudo acreditar. Ela não conseguia viver sem acreditar. Respirou fundo e então acreditou que este dia fazia parte do equilíbrio da vida. Como parte desse equilíbrio, também ele passaria.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

tapada da pena


Aos domingos tentamos evitar a praia. Temos horror das filas de trânsito, das intermináveis horas de saída dos parques de estacionamento que acabam por estragar o dia. Assim, tentamos organizar outros programas, de preferência aqueles que nos permitam mostrar algo de diferente aos miúdos e passear. Ontem escolhemos a Tapada de Mafra. Nenhum de nós a conhecia e a descrição tinha-nos convencido: uma Tapada dos Reis, uma maravilhoso 'jardim' imaginado de oitenta hectares com árvores centenárias, veados, javalis, lobos e aves de rapina. Fizémo-nos ao caminho, entusiasmados, já inventando mil histórias de príncipes e princesas para contar ao mais novo.
Que dizer da desilusão? Muito, infelizmente. A desilusão não passa pelo espaço, pela natureza ou pela oferta genuína. Passa pela pobreza do cuidado, pela falta de brio e de aproveitamento do entorno. O recebimento é feito por uma bilheteira pouco simpática onde a fila de pessoas se mistura com a fila de tantas outras que esperam o 'circuito do comboiozinho'. Logo aí, a vergonha se mistura com tristeza. Dezenas de turistas (internos e externos) esperam de pé, ao sol. Não há um toldo bonito com bancos de madeira para os resguardar. Passado o portão, um café miserável oferece restos de comida e menos de nada de gelados (em Agosto????). A caleche (uma das alternativas de passeio) não funciona por ter uma roda furada (a um domingo???). No percurso a pé, as tabuletas de indicação estão tortas, informam mal, o rio está seco, as vedações são pobres e mal amanhadas. Ninguém nos conta uma história ou dá valor ao passeio. É triste pensar que se  a Tapada fosse nos Estados Unidos ou mesmo aqui ao lado, em Espanha, não haveria uma árvore por identificar, e certamente os percursos seriam assinalados por episódios da época, mais 'recriados, ou não. Ficámos tristes e desconsolados. Esta falta de orgulho, de preservação e aproveitamento do que é nosso e do qual poderíamos retirar valor, é pungente, faz reiterar muitas outras coisas sobre o nosso ser português, e isso irrita-me. Sou meia espanhola mas adoro Portugal. A nossa falta de brio, consome-me.
Valeu o entusiasmo do miúdo mais pequeno na descoberta dos veados, javalis, aves de rapina, cada pedrinha e bocadinho de árvore pelo caminho. Daria tudo por ter multiplicado essa descoberta por mais três.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

início


Uma sessão de Batman com o miúdo mais velho. Reprise para ele, estreia para mim. Assim começa o meu fim de semana; com um bocadinho de namoro entre mãe e filho. Convenhamos que sabe bem. 
Façam o favor de ser felizes.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

metamorfose


Noites passadas em branco transformam-nos noutras pessoas.Dormir é mais importante que comer.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

coisas de mãe

Esta semana descobri uma foto do miúdo mais velho no seu primeiro ano de escola. Tinha três anos. A foto fez-me ficar com um aperto no peito com os centímetros percorridos desde aí e todos os acontecimentos da sua vida. Mais ainda, quando o irmão mais novo se prepara agora para entrar no mesmo Colégio, com a mesma idade. Ironia das ironias, hoje soube que vai ficar no agrupamento de crianças designado com a mesma letra que a do irmão, há doze anos atrás. Ainda dizem que não existem concidências. Existem sim, e estas são aquelas verdadeiramente bonitas que nos tocam bem fundo no coração.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

o todo e a parte

O meu pior defeito é a impaciência, disse a mulher, pendurada ao telefone. A internet emudecera. Era daquelas situações que a punham fora de si, a faziam sentir-se pouco inteligente, perdendo horas e mais horas em chamadas com interlocutores de voz simpática e condescendente que faziam perguntas estrambóticas para ela sobre cabos de rede, painel de comandos ou a que windows está ligada, quando na verdade ela preferia usar os equipamentos da maçã, mais lindos que todos os outros, mais fáceis de usar que todos os outros, mas, numa situação de avaria (igual a pânico), tão complicados como todos os outros. Depois de uma hora literalmente pregada ao auscultador, a questão resolveu-se da maneira mais estúpida do mundo, o verdadeiro cliché de sempre da informática: desliga tudo e torna a ligar. Se ela já o tinha feito? Sim, sem resultado. Mas a diferença era o tudo. Ela, a analfabeta das ligações desligara apenas uma parte. Não há mesmo paciência, pensou.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

a volta

Desfizemos as malas e arrumámos tudo. O nosso espaço, recém-acordado da sonolência do seu descanso sem a família, acolheu-nos, cheirando a limpeza e frescura. Mais tarde, quando todos dormiam, cirandei pela casa. Descalça, muito devagarinho, abri as portas para o jardim para não acordar os cães e respirei a noite na minha cidade. Como eu sempre disse e tornarei a dizer a beleza das férias não é apenas o durante; é o antes, o durante e o depois. É muito bom estar de volta.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

leituras de verão V

A intenção era boa.  Sair dos géneros, fazer um intervalo, mergulhar nas águas do bom entretenimento. Assim me dispus a entrar de cabeça num livro mais descomprometido,   Os seis suspeitos de Vikas Swarup. Depois de 50 páginas, sucumbi à impossibilidade da sua leitura. É muito mau, cheio de previsibilidade, personagens que são clichés, nem sequer o ritmo prende. Longe de poder oferecer o suspense ou a trama urbana de uma saga como a de um Millenium, chega a ser pretensioso na veleidade de querer ser um policial. Usando a belíssima regra de Daniel Pennac votei-o ao abandono e entrei num dos mais recentes de Peter Carey. À terceira página, dei por mim a sorrir.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

leituras de verão IV

A Fera na Selva, a novela de Henry James que li ontem num sopro, é irritante. Irritante porque nos incomoda, irritante porque faz sentido, seja qual for a época. Uma história simples, conduz-nos à constatação de quantos de nós não vivem esta vida porque simplesmente não se permitem senti-la. Em permanente defesa, fechados nos seus casulos, separam-se da existência e, ao fazê-lo, erram por ela. Perturbador, este livro ameaça: afinal, será que todos não deixamos de viver por um momento que seja? A guardar na mesa de cabeceira, como forma de prevenção e retorno.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

leituras de verão III

- Os mapas deles só desenham as costas. Têm um mar vazio.
- E como é que pensas fazer para encher esse vazio?
- Ponho lá a direcção dos ventos e das correntes, que são as estradas do mar. Ponho lá a força destes ventos e destas correntes, que dão a velocidade dos barcos, porque no mar, quem anda são as estradas. Ponho lá as cores da água, que dizem as profundidades. Ponho lá a forma das núvens que anunciam tempestades.
- E como vais ficar a saber tudo isso?
- Terei navegado por todas. Ficar em terra é uma perda de tempo.
(...)
Erik Orsenna in A Empresa das Índias 

Este verão tem sido pródigo em bons conselhos de leituras. Este livro de Erik Orsenna que terminei ontem, é mais um deles. O romance histórico é um dos meus géneros favoritos talvez por ter crescido numa fase em que em Portugal a história parecia vergonha e em vez de ser contada com fantasia de reis e princesas, dava-se a crianças de onze e doze anos uma perspectiva sociológica da mesma, com especial relevância para a luta de classes... Enfim, uma história confusa e que não perdurava na memória ou muito menos na imaginação. A Empresa das Índias conta Cristovão Colombo nas memórias do seu irmão Bartolomeu, e é sobretudo a parte do Descobridor que não conhecemos, o antes das caravelas que o levaram às Índias que sonhava e que depois revelaram ser outro continente bem diferente. Muito bem escrito, prendendo a atenção desde a primeira página, é aquilo que o ensino da História deveria ser: empolgante, divertido, com ingredientes que perduram na memória para todo o sempre.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

leituras de verão II

Serra Morena. Um ráio esturrica o casal, em luz e carne. Os filhos ficam orfãos, com destinos diferentes. Antônio, o menino que não cresce. Nico, o patriarca engolido por um bule de café. Júlia, a menina em fuga permanente. Um lugar onde as sombras da terra e da água convivem. Onde a morte e a vida são o mesmo mundo. Um poema seco à humanidade de cada um de nós.

Assim é descrito na contracapa o livro Os Malaquias. Se o resumo espicaça curiosidade, a história, pejada de originalidade e de um ritmo vigoroso, impede refrear a cadência da leitura, abrindo-se numa voragem incessante que não pemite uma paragem sequer. Talvez uma das melhores obras que li este ano, pela diferença, pela beleza das imagens, pela coragem em sair do esterótipo ou do 'permitido' na literatura. Este é o género de ousadia de escrita ao qual eu adoraria chegar.

(obrigada, Bé!)

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

leituras de verão I

Patti Smith era um dos meus ídolos numa adolescência mais tardia. Lembro-me perfeitamente da primeira vez que a ouvi: a Patti era muito mais que rock & roll. Na festa de garagem da Luisinha, os acordes iniciais de Because the night fizeram-se ouvir e um grande amigo, que sabia como as palavras eram importantes para mim, disse, tens de ouvir isto. Fiquei embasbacada com o sentido das frases, aquilo era muito mais que música ou, por outra, dava mais grandiosidade a esta última. A partir desse momento não descansei enquanto não soube mais sobre a autora. E, na verdade, apenas agora sei estar mais perto. Apenas miúdos é a história de Patti Smith, mais precisamente a história da sua relação com Robert Maplethorpe. Devorei-a em menos de três dias, fascinada com tudo o que não sabia e com esta coisa maravilhosa de quando o real supera a ficção. A não perder.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

descomprometimento

Até dia 20 de Agosto andarei por aqui e por ali, descomprometendo-me de qualquer obrigação que não as de mimar os meus, descansar muito e dedicar-me à pilha de livros que esperava pacientemente por mim. Até já.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

as vésperas

O miúdo mais novo conta os dias de forma inconsciente, recitando números quase sem significado mas imaginando um resultado bom. O mais velho está prestes a chegar e eu conto as horas que me separam do fim das saudades que sinto sempre deste rapaz cujo corpo parece superar qualquer dimensão possível, de dia para dia. O homem debita suspiros que alternam a preocupação pelo que ainda terá de cumprir no dia e meio que resta com a imensa vontade de partir. São assim as vésperas de férias. Antecipações de felicidade e união verdadeiras.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

gratidão

Hoje, na FNAC, fui reconhecida pelo meu livro. 

As suas palavras agarraram-se à minha pele.

Assim disse a rapariga da FNAC, contando depois como o colocara em destaque contra as instruções dos superiores que lhe diziam que, ao não ser conhecida, eu não iria vender.
O maior prazer de escrever é saber que se é lido. As vendas são importantes, claro, mas sentir o amor de alguém por uma história que nos saiu do coração (e das vísceras como diz uma amiga muito querida) não se consegue explicar de tão grato que é.

terça-feira, 24 de julho de 2012

o poder do sono

O oftalmologista virou a mulher do avesso, verificando graduações, fazendo perguntas. Finalmente decretou o diagnóstico: os sintomas eram tudo menos falta de visão, resumindo-se a outra necessidade essencial do ser humano: sono. O médico, no seu jeito gentil, admoestou a mulher e disse que se fosse necessário passava uma receita com a recomendação das horas de descanso a cumprir com preceito. A mulher riu e ele, na sua voz de barítono, encenou um ralhete e mandou-a embora, dizendo que não desejava vê-la até dali a três anos. Quando saiu, ainda a sorrir, a mulher pensou 
Ninguém me vai levar a sério quando eu disser isto, em casa. 

segunda-feira, 23 de julho de 2012

serenidade

Na festa, o concerto improvisado ia começar. O cantor-aniversariante fazia-se acompanhar de um cavaquinho, uma viola-baixo e um contrabaixo. A mulher, à vista deste último, comoveu-se, sempre gostara daquele instrumento. Entre os muitos presentes, o homem e a mulher sentaram-se a uma certa distância um do outro, cerca de um metro que não equivalia a rigorosamente nada. A música começou e o momento era lindo porque feito com verdade. De súbito, outra mulher abriu caminho e sentou-se aos pés daquele que a primeira amava. Como todas as que estão perdidas de si mesma, investiu nele como depois faria com tantos outros. O homem, sem jeito, respondeu educado e finalmente levantou-se procurando um espaço ao lado da que considerava sua mulher. Depois disso dançaram a noite inteira como se não houvesse tempo. Afinal, a presença de outros seres menos felizes não os afectava, a serenidade que sentiam permitia que os vissem mas não que se sentissem afectados por eles. Eles sabiam a quem pertencia o seu coração.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

as rasteiras de um certo mundo

A mulher gostava do inesperado, da inevitabilidade do acaso, da sensação permanente de poder agarrar nas coisas reais ou imaginárias e evadir-se para outro lado. Explicou e ele assentiu, num gesto meio triste. Chamou-lhe nómada, ela gostou, embora se visse mais como um pássaro que precisava da porta sempre escancarada para poder regressar com desejo. Não se considerava dona de nada, nem de si mesma, muito menos dos filhos ou daqueles que amava. Por isso hoje era um dia algo complicado, dia de fazer contas, de fazer listas de pagamentos, dos deveres morais ligados ao compromisso material. Como ela dizia, apenas era proprietária das suas dívidas, essa era a razão pela qual as detestava e as pagava como uma promessa religiosa. As dívidas eram dependências de alguém sobre nós ou tornavam-nos dependentes de instituições. Dever era um dos seus verbos mais detestados, fosse qual fosse o sentido. Era o dedo estendido na sua direcção, a culpa ancestral germinando no interior, a corrente agarrada à pata do pássaro. A mulher sabia que apenas havia uma maneira de a cortar: pagar, cumprir e, a pouco e pouco, fechar os olhos, deixando de ver tudo aquilo que na realidade não era necessário e rir, rir das rasteiras que o mundo de alguns homens ainda tentava colocar no seu caminho.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

textos que me fazem ficar quieta


"Pressoterapia III
O homem desfez com cuidado a tristeza dos olhos que ela trazia.
Era, nessas alturas, como um mestre pintor. Podia fazê-lo apenas com um abraço e foi isso que fez. Um abraço podia ser um mundo, um colo, uma alegria infantil. Mesmo que o corpo não se visse em rodopios.
A tristeza dela vinha de dentro e de fora, era dela e não lhe pertencia. Carregava-a com o mesmo à vontade com que carregava outras coisas, tarefas a cumprir, prazos, pagamentos, rituais de vida. Detalhes que não se questionam.
No abraço, ao chegar por fim, depois do trânsito e do calor, os olhos dela perdiam a tristeza e o verde passava a cinzento. Quando lho dizia, ela respondia

É a luz. Muda-me a cor dos olhos.

Podia dizer que não, que era ele, mas o medo de ser lamechas era mais forte e a luz servia-lhe bem." 

(Texto escrito pela Patrícia Reis no seu blog que todos os dias leio e que, em dias como o de hoje, me cortam a respiração e me enchem de orgulho de conhecer seres humanos como ela, capazes de escrever assim.)