sexta-feira, 30 de setembro de 2011

escrevo porque gosto que me leiam


Olho para o contador e constato: mais de 10.000 visitas ao meu blog. Não quer dizer nada, eu sei, existem outros que têm muitas mais, não é o número em si que me importa. É o simples facto de saber que existem pessoas que gostam de me ler. Não vou ser modesta, nem fingir o contrário: fiquei feliz. Eu escrevo porque gosto que me leiam, dizer outra coisa seria pura hipocrisia. Muito obrigada a todos. 

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

desculpa

Zanguei-me contigo hoje de manhã e não gosto. Até tinha razão, mas não gosto(a razão é tudo menos relevante para estas coisas do coração). Não gosto de te deixar assim, mesmo sabendo que te passa mais depressa que a mim, mesmo espreitando por entre as sebes e observando que brincas como se não fosse nada. O único consolo é saber que às vezes é preciso, que um dia me agradecerás estas pequenas frustrações que te preparam para o mundo que não é igual à nossa casa por dentro. Deixa-me então dizer muito baixinho para que não me ouças: desculpa este papel de polícia mau que tenho de vestir algumas vezes. Ele é a diferença entre ser mãe e amiga. Estas lides da paternidade são tramadas, sabes? À diferença de muitos outros aspectos da vida, aqui temos de escolher um dos papéis. Eu escolhi o de ser mãe para com os meus filhos. É duro, é mais solitário mas ensina, dá confiança, prepara. Bolas, o quanto por vezes gostava de ser apenas amiga. Fica para quando for avó, prometo, isso ninguém me vai tirar.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

o rapaz da terra do nunca

Naquele final de tarde, a mulher sentia-se particularmente cansada. Uma noite mal dormida, muitas viagens de carro, a sensação era de colchão sem ar. Ainda faltavam contudo três horas para o dia acabar. Sem fome, obrigou-se a comprar um lanche para se obrigar a repor alguma coisa. Na volta para o escritório, encontrou o Rapaz da Terra do Nunca. Ele fê-la deter-se para lhe agradecer as palavras que ela escrevia todos os dias. A mulher comoveu-se por dentro e não soube exprimir o que queria. Mas graças aos senhores dos céus, ele era e seria sempre um Rapaz; por isso, de mochila às costas, afastou-se, levantou os pés do chão, sorriu e percebeu.  

terça-feira, 27 de setembro de 2011

para fazermos já



O poder de Kristoff


Já sabia que Nicholas Kristof era um jornalista especial. Mas hoje fiquei ainda mais impressionada com o poder que o seu nome tem - e como esse poder está a ser usado para combater a fome na Somália.

Kristof, distinguido com o Pulitzer pela sua cobertura dos acontecimentos em Tiananmen, actualmente já quase só escreve opinião. A sua coluna no New York Times é uma das mais influentes do mundo talvez porque ele nunca deixou de fazer o trabalho árduo do repórter, que suja os sapatos, fala com os protagonistas das histórias, pesquisa, investiga e incomoda quem for necessário para conseguir apresentar aos leitores, em menos de 800 palavras, a versão mais aproximada da verdade dos factos.
Kristof tem escrito, nos últimos dias, textos pungentes a partir da fronteira do Quénia com a Somália:

WHAT’S most heartbreaking about starving children isn’t the patches of hair that fall out, the mottled skin and painful sores, the bones poking through taut skin. No, it’s the emptiness in their faces.
These children are conscious and their eyes follow you — but lethargically, devoid of expression, without tears or screams or even frowns. A starving child shuts off emotions, directing every calorie to keep vital organs functioning.

A fome alastra no território, o mundo continua a desviar o olhar.Nada de novo? Acontece que um nova-iorquino, ao ler esta coluna doTimes, decidiu estender a mão ao povo somali, partilhando um pouco do muito que tem.
Kristof anunciou a boa nova no twitter e no facebook:

«Um homem diz que igualará todos os donativos que os meus leitores fizerem para ajudar as vítimas de fome na Somália. E eu digo: vamos levá-lo à bancarrota!»

O homem chama-se Whitney Tilson e, em menos de 24 horas, já teve de desembolsar 200 mil dólares para cumprir a sua promessa. Ele mantém que irá dobrar todos os donativos particulares até 100 dólares. Por isso, se algum dos leitores do Blogkiosk quiser colaborar (!), basta escolher uma organização que tenha missões de ajuda às vítimas da fome na Somália (e pode socorrer-se desta lista doWashington Post, por exemplo), e enviar uma cópia do comprovativo desse donativo para a Leila, assistente do Sr. Tilson, usando o e-mail leilajt2@gmail.com.

Há dias em que, como vêem, o jornalismo tem efeitos práticos e imediatos. Eu adoro esses dias.

(Texto copiado do blog da Patrícia Fonseca, Blogkiosk, e da sua autoria. Eu já fiz o meu donativo. Se o leu, por favor perca a preguiça e faça o mesmo. Crianças com fome, de olhos vazios e sem exprimir as emoções não podem deixar de nos tocar; porque se esse é o caso então estamos claramente a deixar de ser humanos e não merecemos sequer pertencer à categoria dos animais.)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

overdose

A mulher entrou no Museu cheia de alegria por poder estar apenas consigo e com o que decidira ver, durante uma hora. Com demasiado optimismo achou que conseguiria ver as duas exposições. Na primeira, foi-lhe vedada a entrada, já havia demasiada gente a querer ver a  obra de Vik Muniz: 'volte um pouco mais tarde ou comece por ver a exposição de Pedro Cabrita Reis', aconselhou com gentileza o segurança. Era a outra que queria ver. E foi. As salas sucediam-se, alternando instalações poderosas com fotografias e pinturas. Pouco a pouco, a mulher foi ficando sem energia. Era tudo demasiado denso, demasiado narcísico, demasiado escuro nas profundezas. Saiu esgotada apenas com uma árvore e dois quadros gigantescos com azuis orgânicos a oferecerem-lhe um pouco de ar. Para ela a arte também era isto, sair da famosa zona de conforto, mexer. Tinha sido suficiente, quase uma overdose. Olhou para o relógio, consultou a dor nas costas e resolveu que o fotógrafo merecia ser apreciado de cabeça limpa. Saiu para o jardim, sentiu-se agredida pela quantidade de gente, deu um abraço e dois beijos aos seus e voltou sã e salva para casa. 
Meio quilo de morangos e outro meio de framboesas, quinhentas gramas de frutose e dois limões, depois, já estava de novo satisfeita, vertendo duas compotas lindas e saborosas em dois frascos reciclados, acompanhada de risos e narizes pintalgados de frutos silvestres.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

outono

























Chegou o Outono. Com sol e muito calor, é certo, mas já é Outono. Gosto, já o disse aqui mais do que uma vez. Gosto dos legumes, da mudança das frutas, da ideia de fazer compotas em casa com os meus filhos (este Domingo, sem falta), imaginar a pele a ficar mais clara, a luz dos dias a descer, mais filtrada, o iniciar do recato da sensualidade que começará a disfarçar-se por entre as roupas. Tal como as romãs. As do meu jardim têm vindo a engordar todos os dias e o miúdo mais novo que já as reconhece pergunta com frequência quando as poderemos colher. Tenho refreado os impulsos com um 'quando chegar o Outono' mas agora não é mais possível. Chegou o momento porque chegou a nova estação. Descasquemos então a primeira romã, ofereçamos a um miúdo pequenino uma nova paixão. 

Bom fim de semana.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

melodia

A mulher ouviu a música e pensou, directo, nos dois miúdos. Comoveu-se, sentiu-se quente por dentro. Como alguém dissera uma vez, eles eram o Amor que não passa. Então, ela dedicou-lhes a melodia escrevendo como já escrevera e voltaria escrever vezes sem conta: "Aos meus filhos, as minhas obras mais perfeitas." 

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

o anjo estava sentado

O anjo estava sentado ali. No mesmo local onde sempre estivera, uma estrada paralela à linha da vida da mão direita dela. Ela disse-lhe

- Obrigada por me ajudares a receber tanto.

Ele sorriu num sorriso quase sem dentes porque não era um anjo como o dos filmes, alto, loiro, etéreo e branco. Era pequeno, magro, moreno, de cabeça limpa e pequenos óculos. Ele sorriu mais ainda, ela mergulhou num mar sereno e o anjo rematou:

- Foste tu. Eu só dei um pequeno empurrão a partir do momento em que tu acreditaste.

O mundo abriu e estendeu-se para novas dimensões.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

os recados

Mensagens importantes para todos aqueles que, como diz a Patrícia Reis, têm o meu Amor: nestes momentos, não andem no meio da estrada, tentem passar por entre os pingos da chuva, tomem decisões, evitem o medo. Não são invenções minhas. São recados que recebi ontem de alguém infinitamente mais sábio, mais generoso e mais amoroso que eu. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

"há quem tenha medo que o medo acabe."



Para começar bem a semana, vale a pena ouvir até ao fim.
(obrigada Pat por este maravilhoso roubo)

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

e já tinha sete

O irmão de um grande amigo meu adoptou cinco crianças. Já tinha sete filhos. Ainda há gente muitíssimo boa. Bom fim de semana.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

bonito do mundo

Era a oitava viagem de carro naquele dia entre das e vindas a diferentes colégios, reuniões com clientes, almoços de prospecção, aulas na Faculdade. No penúltimo trajecto, duas raparigas passaram sorrindo no passeio. A mulher olhou pela janela do automóvel, contemplou a beleza da adolescência. Fez um rewind, lembrou-se da sua, visualizou o filho mais velho. É certo que tem muito de exterior mas na realidade somos realmente belos nessa altura. Puramente belos, sem artifícios. O simples facto de pensar nisso, fê-la sentir-se revigorada. Nada fazia disparar mais o seu poder de osmose quanto o bonito do mundo.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

o coelho

Estou atrasada, estou atrasada, já comecei o dia atrasada, pensou a mulher. E sentiu-se como o coelho, embora ela preferisse ser a Alice.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

gente boa

A mulher saíu do colégio despedaçada. Era contra todas as previsões. Mãe experiente, deixara outra criança há muitos anos atrás com a mesma idade noutra escola, passara pelas angústias, pelo aguentar estóico diante do filho, pelo choro sem controle mais tarde no banco do carro sem-ninguém-ver. Por tudo isto pensara que agora seria diferente. Fizera tudo como sabia: preparara o miúdo fazendo do momento uma festa, convencendo-se a si mesma que estaria preparada. Esquecera contudo a diferença dos anos, a diferença das crianças, a rapidez com que a nossa alma se prepara para ficar apenas com o bom e o bonito, esquecera o mais elementar: preparar-se, proteger-se. Deixou o filho mais novo em prantos, chorados bem alto, saiu sem derramar uma lágrima, vertendo todas lá fora, sentindo-se desprotegida, sem rede. Repetindo o clássico, sentou-se num carro que não era o mesmo de há onze anos atrás, encostou a cabeça ao volante e chorou como se lhe arrancassem a vida. Sentia-se ridícula por dentro por conhecer o óbvio e ser capaz de o repetir. A primeira onda passou. Enxugou a cara, engatou a mudança e arrancou, uma reunião às dez horas esperava-a. 
Cinco minutos depois o telefone tocou. 

- A., sou a Margarida. Estou dentro da sala com o seu filho. Já passou tudo, ele está óptimo.

A mulher aguçou o ouvido: do lado de lá ouviam-se apenas vozes de crianças satisfeitas. Agradeceu com quantas vezes podia e respirou de alívio. 'Ainda há gente muito boa, gente que trabalha com sensibilidade', pensou. Uma segunda onda veio e chorou de novo. 
Os adultos também precisam de colo.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

tic tac













As pernas do mais velho sobram na cama. 
O mais pequeno começa a escola amanhã. 
Depois de amanhã o primeiro será absolutamente independente, o mais novo ocupará a cama onde os membros a pouco e pouco começarão a sobrar.Tic Tac. O relógio da vida não pára, nunca pára, e é tão lindo vê-lo andar assim.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

o sari vermelho

A história de amor de Sónia por Rajiv Gandhi é o início de uma viagem maravilhosa pela História da Índia, nos tempos de Indira Gandhi. Em jeito de romance, Javier Moro conduz-nos por todos os factos que marcaram a vida deste país fascinante e conturbado, desde os tempos da sua governação pela filha de Nehru até ao assumir da Presidência do Partido do Congresso por Sónia Gandhi. O sari vermelho é uma obra imperdível; se possível, antecedida pela leitura de outro livro maravilhoso, Por amor à Índia, de Catherine Clément. Sem dúvida, um dos melhores livros que pude ler este ano. 

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

1460 dias




All of these lines across my face
Tell you the story of who I am
So many stories of where I've been
And how I got to where I am
But these stories don't mean anything
When you've got no one to tell them to
It's true...I was made for you
I climbed across the mountain tops
Swam all across the ocean blue
I crossed all the lines and I broke all the rules
But baby I broke them all for you
Because even when I was flat broke
You made me feel like a million bucks
You do
I was made for you
You see the smile that's on my mouth
It's hiding the words that don't come out
And all of my friends who think that I'm blessed
They don't know my head is a mess
No, they don't know who I really am
And they don't know what 
I've been through like you do
And I was made for you...
All of these lines across my face
Tell you the story of who I am
So many stories of where I've been
And how I got to where I am
But these stories don't mean anything
When you've got no one to tell them to
It's true...I was made for you


(Brandi Carlile in The Story)

terça-feira, 6 de setembro de 2011

a falta de imunidade dos números

A mulher entrou nos números sem receios. Era uma nova aventura, aquela. Sempre achara que não sabia o suficiente, não era capaz, numa atitude quase blasée de quem durante muito tempo não tivera que se preocupar com coisas comezinhas como a do fazer das contas. Depois os tempos tinham mudado. Vieram as crises, os medos, a sobre-responsabilidade, um sobre-respeito que nunca antes tivera. A sua tão querida sensação de independência desaparecera, tinha-se tornado num ser dependente às ordens do senhor das decisões do mundo. Mas ontem tudo mudara. De repente dera por si a olhar sem medos para os números frios, primos ou não primos, procurando dar-lhes a volta. E, nesse momento, uma ideia surgiu. Incrédula, apercebeu-se: tinha tido uma ideia matemática, era possível ter uma ideia matemática. Telefonou de imediato para a instituição financeira. Do lado de lá da linha escutou como a gerente a reforçava, dava o seu apoio, 'sim,faz todo o sentido, amanhã dou-lhe uma resposta, sem falta'. Quando desligou o telefone, a sensação de liberdade e independência tinham regressado em pleno. 'Como tenho andado enganada', pensou, 'ninguém manda na minha vida, muito menos os números'. A matemática é tudo menos imune a uma boa ideia.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

o erro do caraças

Acabei de perder um texto imenso neste momento, aqui. Ainda por cima gostava muito dele. Estou capaz de despedir o blogger. Alguém sabe o que se pode fazer para reportar um erro bX-57dc5a?

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

deixar ir


O miúdo mais velho começa as aulas no dia 7. Catorze anos, décimo ano, a vida mais séria. Olho para ele e relembro um bebé num corpo agora gigante, as mãos que antes podiam ser embrulhadas pelas minhas até desaparecerem, neste momento esguias e alongadas. Sinto saudades.

O mais novo começa a 14. Primeira vez, primeiras angústias de verdade. Olho para ele e tento fixar gestos, trejeitos, pequenas expressões. Procuro dar segurança, fazer da escola uma festa da vida. Faço tudo isto porque sei que o que sinto aqui dentro é inevitável. Daqui a nada será enorme como o irmão e mais uma vez sentirei saudades.


A minha costela da Índia deu-me a capacidade de saber que também os nossos filhos não nos pertencem. Deixar ir deveria ser um exercício de alegria. Como chorar.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

o jogo

De volta. A mulher olhou em volta da sua vida e pensou 
'Como é fácil voltar a casa, retomar as rotinas, o trabalho, chega mesmo a ser agradável. Difícil é olhar em frente e saber por qual dos caminhos seguir, destrinçar os reais dos imaginários, desafiar e desafinar o medo que joga a cartada de nos fazer andar para trás.'
Cheia de angústia, concluiu
'Não quero perder esta jogada e tão pouco este novo jogo da minha vida. Desta vez, não. Adiante.'