quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

treze dias

A mulher olhou para a agenda e reparou que tinham passado exactamente treze dias desde a última que vez que contara alguma coisa. Por segundos fez uma viagem para trás e sentiu o peso daqueles dias, a energia perdida, a cabeça de fora tentando sobreviver ao caos. Tinham-he dito uma vez que era essa uma das suas missões de vida mas a sua formulação do assunto estivera incorrecta: não tinha de sobreviver á confusão; antes deveria ser a serenidade dentro dela. Na altura tinha-lhe parecido impossível e quem o dissera respondera

- Só nos é dada uma determinada roupagem se tivermos capacidade para a vestir.

Treze dias depois, compreendeu que não apenas sobrevivera como agora parecia ter reencontrado a paz não pela osmose do exterior mas sim pelo que voltara a encontrar dentro de si. Satisfeita, pôs então mãos à obra, largou culpas e desculpas e escreveu um texto contando esta história.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

até sempre

Até sempre nas florestas dos céus.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

s.o.s

A enfermeira das plantas raspou o tronco. Com alívio, ambas vimos verde-vida por baixo. Depois, chamou aquele-que-fala-com-elas, pediu-lhe conselho e os três tomámos uma decisão. O meu Golias vai hoje lá para fora, para junto da árvore grande e viçosa. Vamos livrá-lo dos ramos secos e deixá-lo respirar. Talvez seja isso que ele precisa. Eu preciso.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

golias

A minha árvore está triste. Tão triste que não sei mesmo se irá resistir. Não consigo pensar que vou deixar de ter o meu Golias, de há dois anos para cá companheiro de alegrias e, porventura, demasiadas angústias. Cresce aqui dentro uma certa sensação que talvez ele tenha secado as minhas mágoas e que por tê-lo feito tenha esgotado toda a sua energia. Por isso, todos os dias procuro o resto de centelha que o possa fazer reviver. Quem sabe se agora não devo ser eu a dar-lhe aquilo que em tantos momentos me serenou. Só espero é que não seja tarde.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

não chega

A semana parece já ter acabado dando contudo a sensação de que os dias não chegam. Há momentos assim.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

alma de viajante

Depois de três semanas, a casa nova vai ganhando forma, os objectos adaptando-se ao espaço, aconchegando-se ou reclamando importância. Tomo consciência do valor de alguns, companheiros de fases relevantes da vida, amigos de longa data que não poderia abandonar se algum dia me fosse imposto fugir.

- Se um dia tivesses que sair desta casa e levar apenas um objecto, qual levarias?

- Os cães.

- Os cães não são objectos; tal como os filhos fariam sempre parte da bagagem permitida.

- Então, não sei... talvez a aparelhagem, a bateria ou a televisão.

- Mas só poderias levar um...

- Eu sei, mas vejo a maioria dos objectos apenas como decoração. Por isso, não sei responder. E tu, que levarias?

- As minhas duas chapeleiras antigas. Representam a minha alma viajante, um tudo-nada desenraizada.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O nº 7

Hoje faz sete anos que me apaixonei por ti. Fazias trinta e sete anos depois da meia-noite. Hoje fazes quarenta e quatro. E eu desejo multiplicar o nosso número sete.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

terça-feira, 9 de novembro de 2010

the blue pill or the red pill


Azul ou vermelha?
Que pílula optamos por tomar todos os dias?
A da realidade ou a daquilo que queremos apenas ver?

http://www.youtube.com/watch?v=DOATbVxHVr8&feature=relate

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

wishful thinking by marilyn

"I'm selfish, impatient and a little insecure. I make mistakes, I am out of control and at times hard to handle. But if you can't handle me at my worst, then you sure as hell don't deserve me at my best."
Marilyn Monroe

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Caixote Nº5

O fim de semana passado a cheirar a caixote de mudanças, a arrumar as mudanças, a lamber os efeitos das mudanças nos mais frágeis, a tentar repôr os quilos perdidos nas mudanças. Acham que já acabou? Nã. Por isso tenho tanta história por contar que não coloquei aqui e que não acredito que consiga contar nos próximos dias. Hélas. Faz parte da aprendizagem da paciência.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

ás voltas com a física

O miúdo estava knock out com a Física. Percebi todo e cada um dos arrepelares de cabelos: com a idade dele esta disciplina era uma verdadeira dor de cabeça para mim. Peguei no livro e lembrei-me do meu pai que finalmente a conseguira tornar compreensível para mim, aplicando à realidade fórmulas inacessíveis. Contei uma história, falei dos mergulhadores, da pressão que modifica o estado dos gases, encontrei a metáfora do pulmão que incha sem poder mais. O miúdo olhou para mim e a cara iluminou-se: tinha percebido. Eram 11 da noite e foi dormir descansado, achando que eu era a mãe mais inteligente do mundo. Eu, encolhi os ombros, e percebi que ter quarenta e muitos anos de vida faz alguma diferença.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

anjo da guiné

Lembro-me dele na pista do Plateau. Altíssimo, elegantíssimo, de guarda-chuva aberto, dançando as últimas notas da noite já madrugada. Ao lado dele não parecíamos saber dançar porque o Zé não dançava, voava nos pés.
O Rui Pregal da Cunha escreveu hoje o seguinte na sua página do Facebook:
"Na próxima 6ª feira várias famílias (daquelas que fazem pedidos) juntam-se em solidariedade com o Zé da Guiné. Para quem não o conhece ele é um dos mais carismáticos personagens da noite lisboeta. Mas mesmo doente e fraco ele ainda sorri quando nos vê, nessa jovialidade que ele passou para todos os que se cruzaram com ele nestes últimos 30 anos. No dia 29, no Maxime, um programa de luxo. Apareçam ou contribuam para o NIB dele. Melhor, façam as duas coisas"
A quem me lê, eu repito o pedido do Rui: venham, contribuam ou, melhor, façam as duas coisas. Existem anjos na terra e sempre que nos apercebemos da sua existência o mínimo que podemos fazer é consertar-lhes as asas.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

cocooning

Alguém dizia ontem que se encontrava em estado de cocoon para saborear as ideias que fossem surgindo, sem interferências. Gosto da imagem.
Está nevoeiro. Gosto muito. Talvez porque seja de certa forma o cocoon natural de que necessito para resguardar o meu fim-de-semana. Até segunda e bom cocooning.

(obrigada Eduarda, pela imagem)

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

adeus

O bebé olhava para a mulher, atento. Ela enchia caixotes, pegando nos livros com cuidado.

- É a primeira mudança da tua vida cá fora.

O bebé entrou para dentro de uma das caixas, fechou ligeiramente as abas, olhou em volta e respondeu sorridente abanando a mão

- Adeus!

Também ele já sabia que aquela já tinha deixado de ser a casa deles há muito tempo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

ground control

under pressure

quadruplicar a dose

Irrita-me não ter escrito aqui durante quatro dias. Por isso hoje vou quadruplicar a dose. Não é por teimosia ou por um chicote qualquer imaginário do dever. É necessidade mesmo.

o impulso

O Outono está aí, o Inverno a chegar. Não sei se quero. Não sei se quero sentir a preguiça do arranque ou o impulso de hibernar e não poder.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

a razão de einstein

As duas mulheres e o homem trocaram ideias, aprofundaram conceitos, conheceram-se um pouco mais. Quando uma delas saiu, verificou com surpresa que apenas tinha passado uma hora e meia mas que essa hora e meia produzira muitos mais segundos de valor incalculável. Sorriu por dentro e pensou que Albert Einstein tinha toda a razão.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

just breathe, says pearl jam

http://www.youtube.com/watch?v=XTb9GNIxpMk&ob=av2n

Yes, I understand that every life must end, aw-huh,..
As we sit alone, I know someday we must go, aw-huh,..
Oh I'm a lucky man, to count on both hands
the ones I love,..

Some folks just have one,
yeah, others, they've got none, huh-uh

Stay with me,..
Let's just breathe.

Practiced are my sins,
never gonna let me win, aw-huh,..
Under everything, just another human being, aw-huh,..
Yeh, I don't wanna hurt, there's so much in this world
to make me believe.

Stay with me,..
You're all I see.

Did I say that I need you?
Did I say that I want you?
Oh, if I didn't I'm a fool you see,..

No one knows this more than me.
As I come clean.

I wonder everyday
as I look upon your face, aw-huh,..
Everything you gave
And nothing you would take, aw huh,..
Nothing you would take
Everything you gave...

Did I say that I need you?
Oh, did I say that I want you?
Oh, if I didn't I'm a fool you see,..
No one knows this more than me.
As I come clean, ah-ah...

Nothing you would take,..
Everything you gave.
Love you till I die,..
Meet you on the other side.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

semana arrumada

Arrumar a secretária significa o mesmo que deixar a semana arrumada. Que alívio. Chega o fim de semana de barriga quase cheia.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

amanhã

Amanhã é outro dia. Que seja tão bom quanto este.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

jogos do demo

O Diabo é um jogador...

Segredou-me ela, usando a comunicação sem fios.

E apenas quer provocar-te, levar-te ao limite, fazer-te desistir, para ganhar esta partida.
Não deixes.

Continuou,

... Foca-te novamente naquilo que queres, nas tantas coisas que desejas,e vencê-lo-ás. Pensa que ele é menos corajoso, mas bastante mais astuto e dissimulado. É ele quem está por detrás dessa angústia.

Agradeci e desliguei a chamada.
A angústia ainda mora mas resolvi com determinação mandá-lo à fava. É tão mais fácil lutar quando se sabe quem temos por diante.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

a ordem

Acordei tarde. Cheguei atrasada ao escritório. Vou sair a correr para o almoço de aniversário do miúdo mais velho. Tenho uma aula de 3 horas a começar às 13.30h e outra às 19h. Nos intervalos ainda se impõe dar um apoio sério a quem precisa. E, mais tarde, um beijo de anos a duas valentes amigas. Vai ser um longo dia, este. Acreditar que tudo faz parte de uma Ordem, ajuda. Acreditem que ajuda.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

o sofá ainda está longe

Faltam dois minutos para as seis e a lista de objectivos do dia olha para mim, trocista.
A outra, a que está na cabeça, acumula-se à anterior e devagarinho segreda: 'nem penses que vais já para casa; ainda te falta comprar o presente de anos do miúdo mais velho, trocar os pijamas do mais novo, escolher o disco rígido para o mac (rezando muito para que o carregador se aguente até ao final do mês), ter a reunião definitiva com o senhorio. O sofá ainda está bem longe, minha querida.'
Apre. Nunca mais chega o fim-de-semana.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

jazzplayer

Saltou por detrás da porta com o seu saxofone-tenor novinho em folha. Não consigo distinguir quem brilhava mais, mas julgo que eram os olhos dele. Passou o resto da noite a montar e desmontar, arear e limpar, experimentando sons, ávido pela sexta-feira em que tudo irá começar.
Na cozinha, abraçou-me

Mãe, isto é tudo o que eu mais queria.

Fiquei cheia de orgulho; não por mim, mas pelo filho que tenho e pelo pai extraordinário que batalhou ao lado dele para não continuar a atrasar um sonho recorrente.
O meu miúdo mais velho acredita que um dia será um virtuoso do jazz. A mim, tanto me faz. Mas a julgar pela noite de ontem, acredito que pelo menos de coração, já o é.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

brilhante

http://www.youtube.com/watch?v=4ba1BqJ4S2M
(obrigada Gui e Tommy)

terça-feira, 28 de setembro de 2010

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

professora-caloira

Primeiro dia de aulas no INP. Pontual, a mulher chegou ás treze horas em ponto para ter tudo a postos meia hora mais tarde. No exterior, os estudantes mais velhos, fardados a rigôr, enchiam os pátios, cafés e ruas adjacentes.
A mulher preparou tudo, comeu uma sanduíche à pressa e esperou. Quinze minutos depois, a sala continuava vazia.

É a semana das praxes!

Explicou alguém.
A mulher arrumou o caderno e o computador com um misto de alguma pena e divertimento. Pelo menos, para já, uma coisa era certa: professora-caloira era um título que lhe assentava que nem uma luva.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

porque me apetece dançar

http://www.youtube.com/watch?v=8BrTp2ZpMMI

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

o engano

As duas mulheres, sentadas frente a frente, trabalhavam concentradas nos seus portáteis. Como boas mulheres, resolviam individualmente os seus assuntos, falando em simultâneo da vida, trocando ideias. Uma delas pediu a password, enganou-se por três vezes. Deslindou o erro graças à outra e a uma boa gargalhada das duas. Rematou:

Afinal não somos assim tão perfeitas.

Prosseguiram no riso, entre instruções a terceiros, telefonemas de maridos, marcação de reuniões, fecho de projectos e tantas outras coisas do curso de todos os dias.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

a vontade

Uma estupenda dor de cabeça visitou-me ao longo do dia. Intermitente, foi marcando a sua presença, como se quisesse dizer alguma coisa. Depois disso, não sobrou vontade para fazer mais nada.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

a mulher mais linda do mundo II

Chegou a casa, o penso enorme cobrindo-lhe grande parte de cara. Vestida de branco, por fim tranquila, contou as peripécias da operação, sentindo-se agora mais valente, liberta. Tinha estado quatro horas no bloco, a ouvir as instruções dos médicos, os autênticos verbos do arrepio: corta, aspira, limpa, sutura. O meu marido disse

Parece que acabou de tirar um dente.

E com esta frase, resumiu tudo. Ela é mesmo a mulher mais bonita do mundo.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

a mulher mais linda do mundo

As meninas do atelier de baixo fazem tocar uma música nostálgica. E, nem de propósito, a mulher mais linda do mundo saiu agora do bloco. O aperto no peito adensa-se na espera. Precisava de dizer isto.

desabafo feminino

Passei a semana passada sem empregada. Qualquer mulher sabe o que isso é: arruma, desarruma, cozinha, volta a lavar, corre quilómetros em seco atrás do bebé para ver se não faz dos cremes ou dos detergentes sobremesas, arranja tempo para o levar a passear, dá atenção ao mais velho, transforma a casa num brinco. Irra. Senti-me uma mulher dos anos cinquenta mas sem qualquer espécie de glamour, claro, que isso só vem nos filmes. Hoje, de volta ao escritório, tenho a pequena angústia de mil coisas acumuladas por fazer mas sinto a felicidade de ter tempo de qualidade para mim. Toda a vida avisei que não sou de ficar em casa. Mais, seria mesmo a mulher e mãe mais insuportável do mundo se alguma vez o tivesse de fazer. Hoje é dia de desabafo feminino, portanto, levem lá com isto. Amanhã, já passou.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

o livro do amor

Descubram. Descubram que o Amor é a emoção mais complexa de todas. Que é a mais mal entendida, mais mal empregue, mais subentendida e mais escondida em mil e uma formas ás quais preferimos não chamar amor.
E, se puderem, se quiserem, aprendam. Aprendam a Amar.
Este pequeno livro (que é imenso no conteúdo, vou na página dezanove e, acreditem, leio depressa) revelou-me que depois de 45 anos nesta vida ainda tenho muito caminho por fazer nesta descoberta. A primeira lição é nunca mais me enganar a mim mesma no julgamento das minhas próprias emoções. A segunda é, de vez, largar a capa. Porque o verdadeiro Amor começa por aí: no assumir em plenitude quem somos, sem defesas, doa a quem doer, mesmo que nos doa a nós.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

primeiro dia, nono ano

No arremesso habitual de mãe protectora, ligou durante a tarde

Como correu a escola?

Bem, muito bem. Estou numa turma nova com os meus amigos de sempre. E olha mãe, a partir de amanhã, acordo sozinho e vou para a escola sozinho. Já não preciso que me leves.

Sorriu ao telefone, escondendo o aperto pequenino no peito.
Primeiro dia de nono ano, à beira dos catorze anos: o meu filho mais velho deixou de ser criança.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

nova viagem, nova corrida

Pois. Acabaram as férias, pelo menos as grandes. Começo a sentir o cheiro do Outono no ar, com o miúdo mais velho a começar o seu lado mais sério da existência amanhã. Devagar, arrumo a casa que é como quem diz, arrumo a vida, preparando-me para mais um ano. Como diziam os senhores das feiras da província, era eu catraia, "nova viagem, nova corrida". Uma frase que diz muito mais do que apenas carrinhos de choque ou carrosséis.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

pré-limpeza

Pré-férias significa pré-limpeza. Gosto disso, é a minha prática de há uns anos a esta parte, só agora plenamente consciente. Todos os anos, antes do descanso e da reflexão anual, limpo a despensa, não a de casa mas a da vida. É recorrente: como se preparasse um ano que está prestes a findar, procuro ir de férias sem nada por dizer, sem amigos por acarinhar, sem pendentes por resolver, sobretudo aqueles que me incomodam ou os que pela força das circunstâncias fui deixando para trás. Estou a acabar de riscar a lista e a cada risco que faço fico resolvida, tornando mais claro aquilo que era cinzento ou difuso. Alguns assuntos deixam-me mais triste ou nostálgica, outros mais aliviada, mas sempre mais limpa. É assim que gosto de ir abandonando os anos: sem lastro, sem pesos, que a vida é demasiado curta e à medida que por ela vamos passando mais claro se torna que só o bem nos faz bem. Ser consciente por vezes dói mas só a dor enfrentada cicatriza. E as cicatrizes, como as rugas, contam a história da nossa coragem: a coragem de viver esta existência em vez de simplesmente passar por ela. A nossa vida está sempre nas nossas mãos. Quem não acredita, é cobarde.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

mais nada

Ele ao lado, as crianças a dormitar e um livro nas mãos.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

deixar nos risos o cansaço

Uma delas tinha avisado: 'vou atirar-me para cima do teu sofá, soltar este cansaço que não me larga, fumar os últimos cigarros da minha vida; por isso, espero que tenhas boas histórias para me contar'. Jantaram juntas e apenas elas, sem precisar de mais ninguém, trocando risos, confidências, derramando rosé gelado na irritação de uma traição de outrem, comovendo-se com pequenas coisas, partilhando a maturidade, descobrindo a paz que é sempre possível reencontrar.
Eram três da manhã quando olharam uma para a outra e quase morreram de riso: definitivamente estavam ambas atiradas para cima do sofá, duas adolescentes crescidas, os joelhos dobrados, os pés nús, o cinzeiro cheio e ainda muito por rir e conversar.
Quando a do aviso saiu, a brisa da madrugada refrescou-lhe a cara. Sentia-se leve como se tivesse deixado nos risos todo o cansaço.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

a corrente invisível

Havia muita gente. Muitas pessoas conhecidas, outras não. A festa desenrolava-se lá fora, com a brisa morna do rio e a meia lua a aparecer no céu. À distância, ela olhou para ele procurando a corrente invisível. Ficou tão incomodada com o que não viu que descobriu uma desculpa, apressou as despedidas e foi-se embora.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

empurrar a vida com a barriga

'Empurrar a vida com a barriga" é uma das melhores expressões que alguma vez ouvi para descrever a eterna actividade da Mulher. Neste momento confesso: a minha barriga está cansada. Talvez por isso a cabeça me doa todos os dias.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

um grande dia

A praia estava cheia de gente. Cheia como me recordava dos meus tempos de menina, não naquela praia mas noutras mais a Sul, as crianças rebolando nas ondas sob os olhares atentos dos pais vigiando as ondas irrequietas, as famílias nos toldos comendo gelados, os grupos de adolescentes em estrela na areia mostrando os corpos jovens e os cabelos brilhantes. Estendemos as toalhas, partilhando com os amigos um dia simples, daqueles mesmo triviais, onde não faltam as fotografias da praxe ao bebé que se delicia com os primeiros grãos de areia, as carreirinhas dos mais novos, as conversas sobre tudo e nada. Eram sete da tarde quando nos despedimos, cheios de pena por não ficar para jantar. No carro, o bebé adormeceu com um sorriso de felicidade, a pele ainda com restos de praia e eu nostálgica de sensações de há muitos anos atrás. Foi assim o sábado na Praia Grande. Um grande dia.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

mais um bocadinho de bem

Os médicos das plantas vieram. Com cuidado, como se transporta um doente, pegaram nele e levaram-no para a enfermaria das coisas verdes que parecem não falar.

Depois de uma hora voltaram: a terra tinha sido renovada, acrescentada de casca de pinheiro, humedecida e vitaminada; a ele tinham-lhe roubado os ramos e as folhas que pareciam querer tirar-lhe a vida.

O meu grande Golias, o meu bonsai-ficus gigante de um metro e sessenta, lindo de morrer, está agora pronto para mais alguns anos de vida, sabedoria, e todas as tantas outras coisas que, em silêncio, sem interferir, vão plantando mais um bocadinho de bem na minha vida.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

finalmente vieste

Bateu à porta do céu e disse
'Não venho para ficar, é só uma visita de reclamação.'
O anjo, com ar inteligente, abanou a cabeça como se soubesse muito antes de ela chegar.
'Venho reclamar energia e perguntar por que razão ma retiram todos os meses como se precisassem mais dela do que eu.'
O anjo sorriu e disse apenas
'Não é para nem por mais ninguém. É só para tomares consciência do quanto a necessitas. Por isso te obrigamos a parar, mês a mês, há já alguns anos. Todos os dias da falta esperei que me batesses à porta. Finalmente, vieste, e ainda bem. É bom sinal.'
Regressou ao escritório e assumiu o arrastar dos minutos fazendo apenas o que lhe apetecia como um direito. Hoje, sim, tinha aprendido alguma coisa sobre si mesma.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

frase do dia

To do just what is expected of me is no fun.
Jimmy Breslin

terça-feira, 10 de agosto de 2010

a segunda parte apenas

Olhou para os mil papéis, fez uma infinidade de telefonemas. A única solução foi,mais uma vez, naquele ano, fazer ginástica; não a física mas aquela a que se chama financeira. Eram dez da manhã e já se sentia esgotada. Percebeu por fim que talvez tivesse sido mal educada: neste mundo impera o princípio de 'pagar e morrer, quanto mais tarde, melhor". Ela só tinha conseguido aprender a segunda parte.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

por onde começar

Na volta das primeiras mini-férias os dedos parecem emperrados e o cérebro luta pela primazia das múltiplas coisas a descrever. O primeiro recado fica dado: não sei por onde começar. Preciso de férias.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

De volta a casa

Deitou papéis fora. Fechou a agenda e o caderno. Recolheu lápis, canetas e borrachas de volta ao estojo. Por fim, encheu a mala, recostou-se na cadeira temporária onde se sentara nos últimos 20 dias e sentiu a calma a cavalgar por ela dentro. Estava de volta a casa.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

A mão por baixo

Depois de todo aquele tempo, ela finalmente tinha percebido que era impossível. Impossível fazê-lo sentir a gravidade das situações. Impossível esperar que a conhecesse ao ponto de lhe colocar a mão por baixo para não a deixar tropeçar ou que lhe oferecesse o ombro sem que fosse preciso pedir. Sentiu-se então eternamente cansada; como se tivessem aberto um túnel escuro dentro dela do qual aquela parte nunca mais seria capaz de sair. Olhou para ele com um milímetro de esperança: verificou que afinal estava ofendido. Porque ela tinha pedido ajuda.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

O alívio

Não é fácil, sabe? Não é fácil ver tropeçar aqueles que foram os nossos pilares, que nos seguraram nas mãos para conhecermos a mestria de andar e de muitas outras coisas. Não é fácil sentir que é a nossa vez de servir de alicerce, de base, de sustentação, sentir que de súbito a vida se virou ao contrário e os papéis se inverteram. A minha grande força, ridícula ou não, é o optimismo, achar que as coisas têm sempre um sentido, que os senhores, lá em cima, não dormem, e nos enviam estes trabalhos por alguma razão. Recuso-me sempre a encontrar uma que seja negativa; talvez por isso sou mesmo ridícula ou talvez essa seja mesmo a minha forma de defesa de uma realidade que não é fácil de ver. Mas é nesse ponto que estou agora, percebe? No ponto de me desviar das sensações que não quero, dos pensamentos que me assustam, e encontrar um motivo cor-de-rosa para todo este processo, ou melhor, para esta fase (fase é uma palavra melhor, as fases geralmente passam, os processos culminam). Acho que já compreendi: esta é uma forma de retribuição de muitos anos de trabalhos e cuidados. Quem sabe a maioridade absoluta é uma volta à infância como forma de recebermos aquilo que demos. Faz sentido. Vê? Já encontrei uma explicação. O alívio começa a crescer devagarinho. Que grande alívio.

terça-feira, 27 de julho de 2010

As dores de crescimento dos pais

Os pais também crescem. Crescem e quando de repente damos conta estão cheios de dores de crescimento. A diferença é que as deles são mais intensas e o corpo de repente fica cansado de tanto crescer. Nessa altura, voltamos a sentir-nos pequeninos. Como quando nos perdemos deles e receamos nunca mais os voltar a encontrar.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Gostava de ser luz

Há um brilho que é próprio das verdadeiras estrelas que por alguma razão se transformaram em seres humanos. É um brilho que não se apaga com o passar dos anos ou com o andar da vida; antes, acentua-se, por ser verdadeiro, por se tornar mais transparente uma vez que se vai despindo da máscara do exterior. A minha mãe tem esse brilho. Por isso me custa tanto vê-la triste. Hoje é um daqueles dias em que gostava de ser luz pronta a ser injectada.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Bonito

Deitei-me às quatro da manhã, depois de uma noitada de trabalho como não fazia há muito tempo. A energia não se compara à dos 20 anos, nem à dos 30 mas é bom voltar estar em equipa e ver uma ideia a tomar forma, esticar, perder as dores de crescimento e ficar bonita.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Esvaziar a despensa

Marcou um almoço, teve outro, pôs uma parte dos assuntos em pratos limpos dizendo o que queria ou o que lhe ia na alma e a vida encarregou-se de reformular o resto como a vida sempre faz, fazendo um switch perfeito nas roldanas do céu. Sentia-se uma mulher de sorte por ser capaz de entender algumas das maquinações universais, mas sobrava-lhe o amargo de boca que irá resolver amanhã, sabendo que, mais uma vez, não poderá ter expectativas nem desejar que o mundo seja perfeito. Afinal, as pessoas têm as suas próprias visões das histórias e apenas ficarão nas nossas se assim estiver determinado. 'O mais importante,' pensou, tentando vencer a sua impaciência, '...é nunca deixar a despensa com coisas a apodrecer.'

terça-feira, 20 de julho de 2010

O verbo

Perdi os Pearl Jam, a Norah Jones e, tristeza das tristezas, o meu adorado Prince. Tentam compensar-me dizendo que as filas eram intermináveis, que o pó se infiltrou por todos os lados e poros das camisolas; não quero nem saber. Encare-se o facto: perdi o Prince. Ando queixosa, eu sei, mas esta foi a maior perda de todas as da música deste ano. Além disso, tenho perdido também dias de escrita aqui e também ali, por razões que roçam o meu cansaço e a preguiça militante que se instala quando os dias se perdem na sua maioria por questões e teimosias inúteis. Não há nada que me canse mais que perder tempo com diarreias do foro egocêntrico e mental dos outros.
Hoje é um novo dia. Sem Prince na alma e com o verbo perder na ponta dos dedos para que se esfume, se evapore e perca o verbo definitivamente.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Seja como for


Mais um concerto que perdi. Juro que para o ano vou a todas. Seja como for.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

0-0

Deu uma cambalhota, fez uma surpresa, não deu importância a coisas menores. Resultado: 0-0. Amanhã é outro dia, pensou, sentindo-se frustrada.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Too late, darling



Não vou vê-los no dia 10 e tenho pena. Muita pena mesmo. É no que dá chegar atrasada.

Engole mais esta

Entre papéis, ideias e imagens, a mulher deu pelo calendário percebendo que tinham passado três dias sem que tivesse escrito uma linha sequer. O sentimentozinho de culpa mordeu-a, a ela, a disciplinada, que antes fizera gala do tempo que se torna elástico quando um homem muito bem quer. 'Engole mais esta', pensou. Os senhores lá de cima sorriram.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Mudar de contexto

Mudar de ritmo, mudar de vida, de posição, nem que seja por momentos, sabe bem. São mudanças que nos colocam no sítio certo, que nos tiram do mesmo lugar ou que desmistificam muitas coisas do passado, por resolver. Esta semana, mudo de contexto. É estranho, e divertido também. Sobretudo para mim que aprecio a falta de rotina.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Roubo ao blog da Patrícia Reis

Bernardo Soares

A vida é uma viagem, experimental, feita involuntariamente. É uma viagem do espírito através da matéria, e, como é o espírito que viaja, é nele que se vive.

Abandono

Ontem abandonei um livro que estava a ler e troquei-o por outro. Eu sei que é um dos direitos do leitor (como diz Daniel Pennac no seu maravilhoso livrinho 'Como um romance') mas custa-me sempre. Fico com aquela sensação de infidelidade de que não gosto. Ridículo? Talvez. Vale-me sempre a desculpa de que há sempre um livro melhor para ler e que não terei anos para os ler a todos. Venha o próximo.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Egoísta

Hoje ajudei uma pessoa que mal conheço a encontrar uma empregada e vi na cara dela uma expressão conhecida. Fascina-me sempre a surpresa das pessoas quando recebem uma ajuda inesperada de alguém que não lhes é muito próximo. É uma surpresa que não raramente vem misturada com uma certa sensação de desconfiança que tentam disfarçar mas que cala lá no fundo como se imaginassem sempre que por detrás da ajuda virá, mais cedo ou mais tarde, o pedido de resposta, o retorno, a cobrança, a retribuição. Nem sempre tem de ser assim. Eu, gosto de ajudar. Não custa nada e não há melhor retribuição que a de ter a sensação de que fizemos alguma coisa por alguém, algum dia, por pequena que seja.
Tenho uma amiga que me diz de forma gentil que eu sou generosa; diz-me isto em forma de aviso-suave porque sabe que se o dissesse de forma negativa eu jamais o aceitaria, que bastava colocar um demasiado antes do adjectivo para eu fechar a minha atenção aos seus conselhos. Agradeço-lhe vezes sem conta pelo cuidado e protecção, mas sei que não vou mudar; neste ponto, não sou capaz. É bom, sabe-me bem. Quem sabe, talvez seja uma forma de egoísmo.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Desliguei

Estou de língua de fora. Exausta. Não tenho cabeça para mais. Vou desligar. A corrente segue amanhã.

terça-feira, 22 de junho de 2010

I'm Possible

(obrigada Miguel Rêgo)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Aos pulos

É falta de originalidade mas os nossos rapazes marcaram sete à Coreia do Norte e eu fiquei aos pulos como o resto do país. Pois. Pode ser uma banalidade mas hoje alegra-me o dia. Se não gostarem, azarinho.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

As crianças que vivem cá dentro

A maravilhosa Annie Leibovitz pegou numa série de pessoas conhecidas e obrigou-as a regressar à infância vestindo-os de personagens de contos infantis. As imagens são lindas de morrer; mais ainda por nos forçarem a resgatar as crianças que ainda e sempre viverão cá dentro. Se não conseguirem, preocupem-se: é sinal de que as deixaram adormecer para sempre e que precisam urgentemente de um príncipe ou princesa que vos acorde para outras dimensões da vida.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Do mal, o menos

Portugal não ganhou, ficou-se pelo empate. Cá e lá, o país murchou. "Do mal, o menos", disseram muitos. Meu Deus, como detesto esta frase. É o mesmo que ficar em banho-maria. Ou em águas mornas, o que para todos os efeitos significa rigorosamente a mesma coisa: continuamos na mesma.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Que a crise não chegue ao nosso futebol

Portugal joga com a Costa do Marfim no Campeonato do Mundo. O país inteiro vai parar durante 90 minutos. É a altura perfeita para circular, resolver assuntos burocráticos (o pessoal vai querer despachar, ao contrário dos outros dias). Mas não, não sou capaz. Qual figura semelhante às que tantas vezes critiquei, estou a trabalhar com o ouvido no meu rádio, bem atento aos pontapés que imagino pelas descrições dos comentadores. Eu sei que não é das melhores imagens. Mas é Portugal que joga, caramba. E é um país inteiro a torcer para que a crise não chegue ao nosso futebol.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Mudanças

Gosto de mudanças. A minha vida é feita delas e de todas as coisas boas que sempre me trouxeram. Ficar no mesmo sítio, com as mesmas coisas, da mesma maneira, nunca me levou a lado nenhum a não ser ao caminho sem fundo da inércia demolidora que arrasta, paralisa e fecha o espírito à louca-boa que mora dentro da cada uma das nossas casas. Eis mais uma mudança que traz consigo um mundo. Parece um exagero mas não é: a mudança faz-se de pequenas coisas em que se acredita com a maior das convicções. Um dia acordamos e as coisas juntas fizeram uma grande meta que consciente ou inconscientemente sempre esteve ali, à nossa espera.

sábado, 12 de junho de 2010

Preciso de mim

O meu marido dorme no sofá. O bebé sonha mistérios insondáveis para as cabecinhas adultas. O miúdo mais velho aproveita as férias pequenas antes de se atirar para a penúltima semana de aulas. Pela parte que me toca, escrevo e pesquiso, espalhando a minha espertina pelo computador. Amanhã devo levantar-me cedo para dar uma nova aula numa pós-graduação. É uma inconsciência não estar estendida, a descansar. Mas é tão bom este silêncio que se entranha devagarinho e dá vontade de saborear. Que se lixem as horas de sono, preciso de mim.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Há dias

As meninas do atelier de restauração de móveis decidiram hoje ouvir a mesma música para cima de vinte vezes, todas de seguida. Já passei pelos mais variados estados de ânimo desde o sorriso ao abanar de cabeça condescendente, da irritação ligeira à dor de cabeça que certamente me fará bater-lhes à porta daqui a nada e perguntar se não há mais nada para ouvir, o silêncio, por exemplo. Como se não bastasse vou ter de sair daqui a nada carregada que nem uma mula e ainda procurar um taxi porque hoje alguém precisava mais do meu carro do que eu. Há dias assim.