quinta-feira, 31 de maio de 2012

little birdie




O miúdo pediu música e ela pôs Joe Cool Blues a tocar. A criança ouviu com atenção e, passado pouco tempo, abanava a cabeça ao ritmo do som. Espreitando pelo retrovisor ela assistia, contente. Era o momento de abrir os horizontes dele e torná-lo aberto a outras sonoridades. Uma receita que já funcionara com o irmão mais velho, hoje dotado de um bom critério e curiosidade infinita. Little birdie acabou e o miúdo disse 

 - Outra vez? 

 Nada podia ser melhor.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

virada do avesso

A cabeça girou para sítios impensáveis. As pernas rodaram e o sacro estalou como se fosse separar-se do corpo e ganhar vôo. A coluna foi mexida, remexida, ajeitada, a base do crâneo massajada, as cervicais ganhando calmantes na forma de uns dedos firmes e experientes.
Quando tudo acabou a mulher fez a pergunta:

- Afinal, o que tenho?

A osteopata sorriu e disse:

- Nada de patológico. Demasiado stress e um sacro fora de lugar. Pode fazer tudo, mas comece apenas daqui a dois dias. Comece por correr devagarinho, corra.

Afinal podia fazer tudo. Podia correr, correr para se livrar de outras corridas da vida que a punham mais torta, lhe escangalhavam a cervical, a cabeça, o humor e a sua capacidade de perder o medo. Sentindo-se mais forte, pensou nos seus ténis, estacionados no armário há muitos meses. Aquilo que nos torna mais forte está sempre ao nosso lado, só é necessário estar atentos ... ou alguém que nos vire do avesso e nos diga para correr...devagarinho, concluiu.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

amigos

Detesto ver amigas a sofrer. Detesto ter amigos com mágoas que não se resolvem. Detesto vidas de amigos ou amigas em stand by. E sempre que posso, parto a loiça e ajudo. O problema é que nem sempre posso e poucas são as vezes em que tenho essa capacidade. Que alguém me desculpe o desabafo. Mas é que a seguir á família, os bons amigos são a coisa mais valiosa desta vida. Irra.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

um bocadinho pequenino

Eram sete da tarde e já não restava mais ninguém no escritório a não ser ela. Gostava daquela sensação, tanto quanto gostava do bulício, do barulho, da companhia. Mas quando a semana acabava, apreciava aquela sensação de pausa, quase de paragem no tempo, em que os minutos rendiam e era possível fazer um balanço. Era um bocadinho apenas dela, por pequenino que fosse, antes de correr para casa, dar atenção a quem mais precisava e perder-se de si mesma, de novo. Era o silêncio, a calma, o foco. Um bom preparativo para o fim de semana.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

aspirina

Dói-me a cabeça, dói-me a cabeça, dói-me a cabeça.

As palavras não eram lindas, poéticas ou de construção frásica elaborada. Mas contavam uma história, era certo. Nem que fosse a do vazio que por vezes nos surge e que não adianta contrariar, apenas serve aceitar.
Até amanhã, escreveu a mulher, concentrando-se logo de seguida na aspirina que já deveria ter tomado há muito tempo.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

sorrindo

Dia 28 de Maio deve ser um dia mágico, pensou a mulher. Fez a lista: um trabalho gigante para apresentar na Faculdade, um exame logo a seguir de outra cadeira (agora chamam-se unidades curriculares), uma Estratégia de pesada responsabilidade para ultimar e enviar ao cliente logo nas primeiras horas do dia seguinte. Como iria sobreviver até lá? Sorrindo, concluiu. E talvez ficando um pouco mais indefinida nas suas outras tarefas da vida. 

terça-feira, 22 de maio de 2012

democratização da arte

(JR, New York City)

Alguns amigos não percebem por que gosto de grafittis e arte urbana. O facto é que gosto. Não gosto dos 'te amo mara' pespegados sem critério numa parede qualquer. Mas adoro manifestações como as de JR e do nosso Vihls enchendo as superfícies das cidades com um pouco mais de humanidade. Agredir a nossa visão? Não me venham com disparates. E alguns anúncios publicitários que se vêem por aí? Ou os edifícios degradados? São mais bonitos? Não, apenas 'temos que levar com eles' porque nos habituámos a que fazem parte ou, pior, porque não podemos contestar. Lamento. Essa não é a minha praça. Gosto de arte urbana, sim. Gosto da coragem desta gente, da sua independência, do seu 'estar-se nas tintas' por não fazerem parte de um círculo intelectualóide qualquer. Gosto que encham as ruas por que passo, adoro ser surpreendida por novas manifestações e sobretudo agrada-me o conceito de 'arte na rua', ao alcance de todos. A arte urbana é a forma mais democrática de arte que existe, em todos os aspectos. Para quem não sabe, os primeiros 'artistas' foram os dos murais revolucionários, como forma de protesto e exigência de mudança. Ora isso é muito mais que sujar paredes. Esses murais, na época considerados um ultraje, hoje são expostos em muitos museus, tal como nos anos setenta se tentaram introduzir muitos artistas do spray em galerias de arte, marchandizá-los, porque se começou a compreender o dom e o impacto, e a máquina começou a esticar os braços e a querer agarrá-los com a cenoura do sucesso. A beleza é que eles nem quiseram saber disso. Quiseram e querem apenas respeito e liberdade. Neste mundo, por vezes tão apático e amorfo, eu pelo menos gosto de saber que ainda existem pessoas com vontade de intervir, sem agredir ninguém, usando tão somente o seu talento à vista de todos e sem cobrar nada por isso. Não é lindo? Pois claro que é.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

teoria dos pequenos prazeres diários

O homem era advogado, de aspecto conservador, o trato e a educação características de alguém que nasceu bem, com valores. Na conversa sobre a vida foi revelando pormenores engraçados, bastante sentido de humor. A nota interessante foi quando contou uma das suas rotinas. Chamou-lhe a sua Teoria dos Pequenos Prazeres Diários:

- Sabe, todas as manhãs, quando acordo, decido qual vai ser o meu pequeno prazer do dia... tanto pode ser regar o jardim como ir ao Gambrinus ao final do dia para me deliciar com um croquete, sair mais cedo do escritório e deixar o carro rolar de capota aberta pela marginal, vendo o mar, ou simplesmente dedicar-me a escrever um contrato para um cliente que me entusiasma de forma particular... Não acredita como estas coisas me ajudam a sentir-me mais vivo, a apreciar a vida e cada dia dela... mas é um facto que me ajudam muito. Eu sou agradecido, sabe? Sei também que existência tem sido grata para mim, considero-me um homem de sorte. Por isso adorava difundir a Teoria e partilhar esta ajuda com mais gente mas não sei se será falta de modéstia.

Achei que não e disse-lhe. A Teoria pareceu-me fantástica. Mais ainda, vinda de quem era, a profissão que exerce o Direito tem sempre aquela imagem.
O homem era advogado, de aspecto conservador, o trato e a educação características de alguém que nasceu bem, com valores. Mas acima de tudo era um ser muito mais humano. Um verdadeiro pontapé nos estereótipos que temos sobre as pessoas e sobre a vida em geral.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

uma fortuna chamada pessoas

Depois de pagar e pagar, a mulher enviou correios a todos aqueles a quem por fim conseguia compensar o trabalho realizado, agradecendo a paciência e a confiança na espera. Depois de o fazer, sentiu-se bem consigo mesma, detestava dívidas, as financeiras e, acima de tudo, as morais. Pouco restava para ela mas o conforto do dever cumprido era suficiente. Um a um, todos foram respondendo, reforçando as crenças nela, demonstrando alegria não pelo acto de pagar, antes pelo alívio dela. Comoveu-se e na comoção compreendeu que cada vez eram mais pessoas diferentes aquelas que a rodeavam. Eram pessoas já pertencentes a um novo esquema do Mundo, onde as trocas são possíveis, onde é possível acreditar no ser humano. Podia ter menos dinheiro do que aquele que alguma vez tivera na vida mas que importava isso comparado com aquela enorme fortuna?

quarta-feira, 16 de maio de 2012

passado

O telefone fixo não tocava, apitava de forma estridente, impedindo qualquer chamada. Uma das raparigas, assolada por náuseas súbitas, foi-se embora. A mulher mais velha tinha perdido o brilho. A de quarenta e muitos estava sem ar. Na rua, apesar do sol, a energia era densa, estranha. Foi ontem e ainda bem que já é passado. Por certo durante a noite um dos senhores do céu usou uma das suas vassouras gigantes e varreu, varreu, quanto de menos bom pudesse andar a flutuar por aí. Hoje (valham-nos os clichées nestas alturas) é um novo dia.

terça-feira, 15 de maio de 2012

fechada

Era como se lhe faltasse o ar. Como se cada inspiração não fosse suficiente ou o planeta, de repente diminuto, estivesse mergulhado numa bolha hermética que apenas a abarcava a ela. Não tinha muitas opções. Apenas continuar a respirar fundo e prescindir do café.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

ode a uma primavera sobre-aquecida

Uma Primavera sobre-aquecida anda no ar. Como se empurrados à força dos seus casulos, besouros, flores, folhagens, homens e mulheres, começam a mostrar o corpo, a exibir as suas cores, olhando descaradamente uns na pele e nos olhos dos outros com a segurança de uma energia renovada pela natureza. É uma nova tensão que espreita, uma alegria de vida que se revela, despudorada, quase sem consciência. A natureza voltando a ser natureza. As pessoas regressando à natureza e ao físico, de forma inconsciente alheias às invenções desalmadas do homem como as crises e outros temas da mecânica. Deus (ou quem quer que seja em que acreditemos) nos livre e guarde de alguma vez deixarmos de ser Primavera.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

emocionalmente inteligentes

Uma tendência forte do nosso mundo são as empresas emocionalmente inteligentes.

O cliente disse isto e eu senti-me satisfeita. É bom ter clientes que pensam assim. É sinal de que, apesar de tudo, a mundo está a mudar para melhor, de que há um lado francamente positivo nesta crise.
Acreditem nisso e tenham um fim de semana com esperança.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

partidas

O homem olhou para a mulher e pensou que já a amava. Apesar de serem branco e preto, yin e yang, água e azeite. Partidas da vida, reflectiu. Ou decisões conscientemente inconscientes da idade madura.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

o que levamos desta vida

... E ria até perder as forças.


(Roubado à Patrícia Reis, com o meu acrescento da última frase)

terça-feira, 8 de maio de 2012

proud mummy



O meu filho mais velho tocou isto ao vivo no seu saxofone tenor há cerca de um ano atrás. Good memories. Proud mummy.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

contar contar

A mulher achou que contar os pingos de chuva poderia ajudar. Contar como se contam cordeirinhos para que o sono venha, contar como se contam os dias para a chegada de uma coisa boa. O calor e o bom tempo estavam a três dias de distância, não custava nada agradecer a São Pedro (ou São Isidro) e despedi-los contando as últimas gotas que faltavam para a vinda de uma Primavera já mascarada de Verão. Sem tempo, a mulher procurou contar. E então, acreditou.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

escape


Alguns usam a tinta e o pincel, outros, como eu, a escrita e a leitura. Mas o fim de semana também sabe bem. Vou juntar dois em um e espero conseguir visitar a Feira do Livro. Boas escapadelas.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

agradecimento a são pedro

Obrigada São Pedro, talvez me tenhas ouvido ou talvez seja falta de modéstia da minha parte, mas hoje tivemos sol. Os Senhores dos Céus não dormem, mesmo.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

tortura chinesa

Não aguento mais a chuva, o mau tempo, o olhar todos os dias para o armário e ter vontade de deitar tudo fora e arrumar de vez as meias, as camisolas de lã, as cores escuras, as botas, o cheiro a Inverno. Não aguento mais as pessoas de ar pendurado, triste, desmotivado, o semblante do vai-se andando que me desespera, me irrita e me perturba como a chuva miudinha que pica a paciência como tortura chinesa. São Pedro, és capaz de ajudar?! Um bocadinho de sol e um sopro valente nas nuvens, ajudava. Custa muito? Não acredito. Pronto, já disse, já te passei parte da responsabilidade. Agora, se te zangares comigo, azarinho.