quinta-feira, 29 de abril de 2010

O pipeline

Ao princípio do dia, sentia-se como se lhe tivessem sugado a energia por uma palhinha. Passou por ele como se cada hora fosse a eternidade do tempo para uma criança. Ao final da tarde, cansada de pouco conseguir fazer, chegou à conclusão meio-triste-meio-irónica de que afinal tinha confundido uma palhinha com um pipeline.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

As coisas bem vistas

- De quatro em quatro meses, preciso sair daqui, desanuviar a cabeça, ver outras coisas, ouvir outras línguas, não perceber nada, esquecer que sou médica.

'Pois,' pensei, 'eu também fazia isso há anos atrás. Mas por que raio é que não estudei mais um bocadinho, mais um bocadinho só, e não fui médica em vez de achar que a minha criatividade é que...'

Pois. Mas depois não ia aguentar a emoção da salvação nem a desilusão de não ter controle sobre a morte. Bem vistas as coisas, é melhor assim.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Ouvir a intuição feroz

Penso que com a idade estou a tornar-me mais chinesa. Não é apenas o gesto dos olhos em riso que me acompanha desde pequena mas também o acalmar da impaciência e do entusiasmo em exagero. Com o passar dos anos e as experiências que tenho vivido nesta vida, ganhei muito em prudência e calma; hoje vejo os desafios de outra forma, aceitando a existência dos lados sombra sem os colocar de lado para ter uma percepção mais real dos momentos. É certo que às vezes pareço menos eu. Acredito que valha a pena, nem que seja para guardar toda a vontade e força para o que realmente importa, e acreditar nesta arma poderosa que tenho comigo e à qual nem sempre dei a devida importância, chamada intuição feroz.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Que vergonha, rapazes!

No Maxime, Miguel Guilherme diz e muito bem, palavras de Alexandre o'Neill, MIguel ESteves Cardoso, Mario Cesariny e muitos outros. Havia muito tempo que não me ria tanto. Não percam porque seria uma pena.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Um belo tenor

Tinha começado a época da medição de forças. Nessa noite, mais uma vez, ela deitou-se, jurando a si própria que não poderia ceder naquilo que sabia ser melhor para ele. Era novamente de madrugada quando a criança testou de novos os limites, gritando a plenos pulmões para se fazer ouvir. Extenuada, ainda conseguiu sorrir e pensou para si mesma: 'vai dar um belo tenor'.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Outro dos filmes da minha vida

(Juro mesmo que não gosto de musicais; mas se não viram este, é pecado)

terça-feira, 20 de abril de 2010

Jazz nos Jardins

Espero conseguir não perder. As crianças e eu merecemos.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Glorious Audrey

(Um dos filmes da minha adolescência, mesmo sem gostar de musicais. A culpa é dela...)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

O poder da luz

E vencendo a chuva, o sol raiou iluminando a vida das ruas. O poder da luz é implacável.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A carvão

O miúdo adora desenhar. Viu os desenhos de Robert Longo no CCB e quis repetir a dose. Agora quer aprender a desenhar a carvão. Se alguém souber de um bom professor para um adolescente de 13 anos, por favor manifeste-se.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A vida corre num caderno

Faço colecção de cadernos e lápis desde pequena e fico sempre com uma espécie de nostalgia quando escrevo nas últimas folhas de um. Fechar um caderno para sempre é como fechar um ciclo da minha vida. Depois vem o entusiasmo de escolher um novo, de respeitar a primeira folha para que não se magoe com o aparo de uma caneta ou o bico de um lápis. A seguir, a vida corre no papel novo, real ou inventada, mais ou menos chata, com os momentos de entusiasmo guardados no dobrar do canto da folha. A vida corre, corre sempre, até voltar a ficar estacionada numa prateleira porque é demasiado bonita para alguma vez se deitar fora.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Negro na pele funda

Há dias como o de hoje em que só me lembro de África, só tenho saudades de África, pegava em todos e ia para África. Depois só seria um problema se ficasse longe do mar. Mas ele está ali, mesmo ao lado. O que só complica ainda mais a existência em dias como o de hoje. Acho que tenho negro na pele no mais fundo do meu coração.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Num dia igual aos outros

Muito bem encenada por Marco Martins e magistralmente interpretada por Nuno Lopes e Gonçalo Waddington. Corram porque está em cena só até 18 de Abril e a sala, pequena, tem estado sempre cheia. Ainda dizem que os portugueses não vão ao teatro. Vão, sim, e quando é bom, ainda mais.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Territórios

Á uma e meia em ponto desperta, depois de quatro horas de sono profundo e muito bem comportado. Segue-se hora e meia de idas e vindas contando minutos de choro. Exausta,depois de muitas noites assim, ainda explico porque consigo não me zangar: afinal quem o trouxe para a nossa cama a meio da noite fomos nós. As crianças são muito espertas e desde pequeninas aprendem e apoderar-se de territórios. O de uma cama bem grande e sem grades é deveras aliciante.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Bolinho

"Grand adventures await those who are willing to turn the corner", disse o meu bolinho da sorte. Como dizem os brits, curiosidade é mesmo o meu nome do meio. Portanto, venha daí a esquina que eu estou pronta.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Depósito de alguma coisa

Mona di Orio é o nome dela. Alguém que faz perfumes com os perfumes da existência. Numa entrevista que li sobre ela, dizia que quando era pequena se sentia mal, muito mal mesmo, porque todas as pessoas falavam do que viam, explorando as cores, as sensações visuais e, Mona, tinha um sentido acima de todos os outros que não era o da visão. Ela via (e vê) claro, mas, acima de tudo, cheira, cheirava do mais pequeno ao maior pormenor da vida. Foi assim que se tornou perfumista. Uso-a hoje para me mal-comparar (desculpa, Mona) com ela. Eu sou visão e demasiadas palavras, juntas.Os meus amigos riem-se de mim porque sabem que se usarem metáforas na minha presença 'eu vou vê-las', percebem o que quero dizer? E por isso, em dias como o de hoje, não sei bem se me hei de transformar num écran de cinema, num dicionário de fábulas ou no mais perfeito depósito de frases e ideias visualizadas. Escolham por mim, se fazem favor.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Pele de serpente

Era de manhã. Olhou pela janela do quarto e viu céu azul. Parecia que a Primavera gritava, por fim. Olhou para os collants beige que retirara da gaveta e sem pena atirou-os para a cadeira. Calçou os sapatos rindo da pele nua e demasiado branca. Quando saiu do quarto as meias pareciam pele de serpente acabada de perder. 'Mudei a estação', afirmou feliz para si mesma.

domingo, 4 de abril de 2010

O número que não se adaptou

O meu primeiro romance vai ter uma nova capa e um novo título, por razões comerciais. Que estranho é isto de procurar imagens e palavras que, antes de servirem o propósito do conteúdo do livro, devem servir o objectivo de funcionarem como chamarizes de qualquer tipo de leitor.
'Tens de fazer de ti uma marca', disse-me uma amiga experiente nestas coisas da literatura actual. Chego á conclusão que sou mesmo o exemplo de casa de ferreiro, espeto de pau. Só que o prazer de ler e escrever um livro nunca me foi ensinado desta maneira. Os tempos mudam e nós com eles se não queremos passar a fazer parte do número que não se adaptou.

sábado, 3 de abril de 2010

Preservar a magia da vida


O miúdo disse que este ano não podíamos perder a tradição. Ordenou-me mesmo que amanhã comprasse os ovos grandes e que no Domingo os escondêssemos. 'Até porque o meu irmão tem de aprender o que é a Páscoa', reforçou. Bem mandada, cheia de orgulho por ter um filho de treze anos que preserva a magia dos pequenos momentos da vida, sábado lá irei.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

De nada vale a diplomacia

De vez em quando, a núvem negra volta e faz dos nossos dias uma sombra chata que se estende e penetra em qualquer bocado de ar, espaço ou gente. Até o bebé fica inquieto. O adolescente, não, valham-lhe as hormonas e o egocentrismo.
Nestes momentos fico zangada, triste até. Eu não pedi nada disto, nem o mereci. Não gosto de gente assim. Gente que traz o mal consigo e que, ao trazê-lo, interfere com a beleza da vida, a paz do amor. Começo a chegar à conclusão que de nada me vale a diplomacia. É preciso pegar num sapato e aplicar uma chinelada certeira para que desapareça para o resto da vida. Vale de muito pouco a compreensão e bondade quando anda muita inveja por perto.