sexta-feira, 28 de setembro de 2012

nada mais a pedir

Estou cheia de arrepios (já me enchi de comprimidos para desviar uma gripe-cabra), cansada nas horas, ainda faltam muitos minutos, mimos, atenção para dar e uma pequena conferência para preparar para amanhã. Como vou lá chegar? Não sei, sei apenas que o fim de semana vai ser apenas domingo; mas não importa porque foi uma semana do (bom) caraças, cheia de gente boa, que sabe trabalhar, de gestos plenos de boas acções como fazer ganhar anos de vida a quem por vezes pensa já nada ter que acrescentar a este mundo (embora eu saiba a falta que sempre me faz e o muito que pode ainda fazer). Dever cumprido e coração cheio. Que mais se pode pedir? Nada. Apenas agradecer.
Tenham um bom fim de semana.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

equilíbriodesiquilibrado


Já não me lembro de onde roubei esta imagem (e quem quer que seja que me perdoe). O que sei é que sempre que olho para ela me sinto bem e de certa forma me revejo. Não por falta de modéstia, sou consciente que a idade e a frescura já não são aquelas; mas mais por esta espécie de equilíbrio desiquilibrado com que sempre vejo e perspectivo a vida. A mestria de conduzir um destino (mesmo se nas alturas que me fazem tanto medo) acompanhada de pilares firmes e uma visão fantasiosa da existência que me ajuda a acreditar, ainda que por vezes seja obrigada a dar um trambolhão gigante. Venham eles, venham todas quedas que se revelarem necessárias. São quem me obriga a bater com os pés na terra para depois poder ganhar impulso de novo.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

uma vez por outra

Perto das sete da tarde, a mulher verificou o email e ficou farta de se sentir impotente e incapaz. Era difícil manter o elástico sob tensão exterior durante demasiado tempo. Compreendendo que não aguentava mais, a mulher baixou os braços e desistiu. Afinal, também tinha direito, uma vez por outra até podia ser. E aquilo que ela não queria mesmo e jurara para nunca mais, era sentir o pânico que em tempos sentira ou angustiar-se com a velha conhecida culpa injustificada. Alguém a ajudara a ter como objectivo aspirá-la da sua vida para sempre. Isso, nem que fosse apenas isso, ela ia cumprir. Desistir podia perfeitamente fazer parte da equação. Sobretudo da equação humana.

la luna



Fomos ao cinema com o miúdo mais pequeno para ver o Brave. Na boa tradição da Pixar, recentemente algo perdida, um pequeno filme antecedeu o principal. Bati palmas de contentamento como uma criança, adoro as curtas da Pixar. E, mais uma vez, não fiquei desiludida. Deixo aqui um excerto do La Luna, com o qual sorri e sobretudo deitei algumas lágrimas. É preciso vê-lo até ao fim para perceber o alcance da beleza. Claro que meu marido se riu de mim e o miúdo ficou surpreendido; mas é inevitável, as histórias simples e bonitas comovem-me sempre até às entranhas. Há muito tempo que compreendi que não será o passar dos anos que me irá curar disso.

(Este era para ter sido o post de ontem. Infelizmente não houve tempo.)

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

a razão de Einstein

Corre que corre. E ainda falta um dia. Há semanas que parecem meses. Quando isso acontece, é bom. É sinal de que se conseguiu fazer muito no tempo que às vezes parece pouco. Einstein tinha razão.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

o gesto


Há dias em que o gesto favorito é este. Delicadamente, com o ar mais doce e feminino do mundo, mas este gesto é o que se recomenda. São dias bons. Significa que estamos de pé, prontos para mais uma provocação, decididos a não aceitar o que não temos de aceitar, sem medo, acreditando naquilo que somos capazes. E depois, o gesto descontrai, retira tensões desnecessárias, solta gargalhadas de quem nos aprecia. Terapêutico, portanto, e à borla.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

depois do éter

A senhora mostrava-se desalentada do outro lado da linha. A voz, sem força, revelava receios, abandonos, desistência. Como em todas as vezes, a filha assustou-se: eram muitos os anos, talvez pouco repletos de momentos plenos. Havia pouco por onde ajudar, sobretudo no passado, o presente era um reflexo de decisões de vida,  da escolha de caminhos mais certos ou errados a percorrer. Sentindo a impotência, optou pela solução habitual: fazê-la sorrir com os episódios dos netos, romancear um pouco mais a sua vida, oferecer-lhe um desafio de novidade. Do outro lado do éter, a cor da voz foi-se tornando mais colorida, um pouco mais vivaz. Quando desligou a chamada, a filha sentiu um sentido de urgência invadindo-a por completo. Uma verdadeira merda.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

quando importa, não se deixa para amanhã

A mulher começou o dia a desfazer um mau sabor de boca, um final de semana que não tinha sido grato, a incerteza a pairar-lhe na mente e sobretudo no coração. A questão era exactamente essa, quando os maus sabores de boca metafóricos perfuravam o coração, por pequenos que fossem. Era sinal de que quem os produzira (com intenção ou sem ela) era alguém que importava, alguém que merecia o seu respeito, a sua consideração, acima de tudo a sua estima, porque os outros dois critérios sentia-os ela por vezes por outras pessoas sem contudo as estimar. O verbo fazia a diferença entre o importar-se ou ou não se importar ao ponto de as transformar em seres transparentes. Não era esse o caso e por isso não perdeu tempo, investiu, deu voz à amargura, deixou sair o incómodo. Valeu a pena. A mulher que ela estimava comportou-se à altura, resolveram o assunto sem medos nem rodeios, deram um abraço como as mulheres que se respeitam e se apreciam sabem dar, e voltaram ao trabalho que faziam juntas. Ao final do dia não sobrava mais nada. Apenas uma alegria no coração. Uma enorme alegria cheia de doçura.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

semana-bomba


Olhando para trás, a mulher achou que poderia classificar a semana como semana-bomba. À excepção de um, não houvera dia sem pelo menos uma surpresa chata e quase todos tinham arrastado consigo as surpresas mais desagradáveis do país, escalpelizadas por todos os lados e por isso vezes sem conta repetidas na memória. A mulher disse para consigo que também poderia classificá-la com todo o vernáculo do dicionário; isso serviria de descontrator, se é que a palavra existia, e talvez fosse melhor do ponto de vista psicológico. Pegou então na caneta com a tinta mais permanente e escreveu nos espaços livres da agenda todas as palavras que lhe vinham à mente para insultar a semana. Quando acabou sentia-se mais levezinha. Não resolvera nada, é certo, mas a sensação era de que agora podia começar uma nova semana (quase) sem lastro.

(o grafitti maravilhoso é de DOLK)

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

a vespa

A criança entrou no seu terceiro dia de adaptação à Escola-Nova de sorriso na cara e asas nos pés. Descansado, o meu coração levou-me ao café do colégio para uma conversa breve, no tempo que me restava até ir buscar o miúdo. No regresso à sala de aula ouvi um choro estridente e bem conhecido: o meu filho chorava como se não houvesse ontem, nem hoje e muito menos amanhã. A razão não era a escola mas sim uma picada de vespa que ele não deixara tratar e que então devia doer como os infernos. Levei-o para casa com ambos os corações destroçados: o dele pela injustiça e incompreensão, o meu pela chatice de ter que ser mãe forte e obrigar uma mão pequenina a um tratamento quando o que apetece é ser solidária no choro e matar todas as vespas do mundo. Agora rezo para que a Escola-Nova não seja durante uns tempos a Escola-Detestada. Assuntos prosaicos da vida? Claro que sim. Mas lá que doem como o caraças, lá isso doem. E não há tempo, filhos mais velhos ou experiência que os façam passar.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

ufa

Um dia que começou e acabou bem. Centrada em projectos e na família, ou seja agindo em causa própria e desfocando a atenção das desgraças do país. Boas notícias chegaram e avanços foram feitos. Antecipar não vale a pena, tomar consciência e não paralizar, sim.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

três macacos

Há certas alturas em que me apetece fazer como os três macacos: não ouvir, não ver, não falar. Talvez seja mesmo o melhor. Empregar os três verbos e acrescentar mais um: AGIR.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

ainda mais.

Como começar uma semana com metade do país deprimido (ainda mais) e a outra metade em processo de paralisação (ainda mais) causada pelo medo? Parece-me haver apenas uma maneira, sobretudo quando não existe espírito de união: não se deixar vencer pelo medo e focar-se. Ainda mais.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

o cano de uma pistola pelo cu

O texto que se segue foi retirado do blogue adevidacomedia, mais um dos que vale a pena seguir. A introdução, irrepreensível pela pertinência, é do autor do blogue, Miguel Carvalho; o texto que ele cita, de seguida, do escritor espanhol Juan José Millás. São textos para quem não se importa de começar o fim de semana com um soco no estômago ou um banho de realidade. Pela minha parte, e porque gosto de ter os olhos bem abertos, nada mais há a acrescentar.

O escritor espanhol Juan José Millás, editado em várias dezenas de países, publicou o texto que vão ler abaixo no El Pais. O artigo é já um fenómeno nas redes sociais, comentado em várias latitudes. É importante e ainda bem. Sinal de que as palavras podem e ainda querem dizer algo de substancial (ao contrário do que se faz dentro da eurocracia, como lembra hoje Rui Tavares, no Público). Pena que se leia, se discuta, se guarde, se clique no «like», se partilhe…e mais nada. Amanhã será um dia igual. Mas se as palavras fossem, de facto, corpo e movimento, amanhã podia ser um dia diferente. O primeiro dia do resto das nossas vidas, quem sabe?
O cano de uma pistola pelo cu
Por Juan José Millás

Se percebemos bem – e não é fácil, porque somos um bocado tontos -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.
Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.
Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas – e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.
Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.
A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país – este, por acaso -, e diz “compro” ou “vendo” com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.
Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública – onde estas ainda existem – os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres. E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.
Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.
A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.
A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.
Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.
Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.
Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

day after

O corpo não responde. A cabeça recusa-se a pensar. Os olhos procuram uma desculpa, toda e qualquer oportunidade para se fechar, em perfeito complot com o cérebro. Se existissem homenzinhos minúsculos cá dentro, cuidadosos responsáveis pela manutenção do sistema, encontrar-se-iam neste momento em perfeita sintonia, desligando interruptores, apertando botões na posição off, sem sapatos nem meias e em bicos dos pés para produzir o menor ruído possível.
A isto se chama ressaca. Não de uma noite bem passada mas antes do regresso das profundezas.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

ser das profundezas

Dois dias de clausura numa sala sem janelas. A energia esvaíu-se, o nariz em queixume traduzido em ar condicionado. Decididamente, nunca regressarei a esta vida em forma de ser das profundezas.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

o corte

Ai-que-calor, pensou a mulher logo pela manhã. Depois, cortou o cabelo e com o acto ganhou leveza e rejeitou parte da temperatura. Passou o resto do dia a adaptar-se a uma nova imagem. Ela gostava disso. Era mais uma simples quebra da rotina.