sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Meninas-a-rir

Pertencem à família das Curcubitáceas, a mesma da melancia, do melão, do chuchu e do pepino. São primas das courgettes e e as variedades têm nomes engraçados como Abóbora-seca, Baianinha, Abóbora-menina (uma das minha preferidas), Abóbora-chila, Abóbora-porqueira, Abóbora-almiscarada ou Abóbora-carneira. Eu gosto tanto delas que sempre que as vejo faz-me pena que as cortem porque as acho muito bonitas.
O facto é que as abóboras riem. É verdade, riem de muitas maneiras. Cortadas aos pedacinhos e deitadas em água a ferver, sorriem transformadas em sopa ou creme. Com menos água e bastante açúcar, dão gargalhadas em compota; e se lhes juntarmos pinhões, ficam mais finas e apreciam a companhia de um requeijão para ficarem contentes. Podem ser assadas, cozidas em bocados gigantes e untadas com manteiga e sal: continuam a rir na mesma. 
Do que eu não gosto mesmo é de histórias de bruxas, fantasmas e coisas sobrenaturais. Sou muito Alexandra-menina, confesso, sobretudo para essas coisas. Por isso, o Halloween na sua vertente negra, não me agrada nada. Só as abóboras de sorriso estampado na cara, e sobretudo as que o fazem com ar mais matreiro, me reconciliam com esta tradição que importámos à força dos Estados Desunidos da América. Mas é porque são abóboras, o legume mais gráfico do mundo que fica bem em qualquer lado e ainda por cima nos enche de vitamina A. E por A começam todos os ataques de riso e gargalhadas.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Princesa Valente

Há exactamente dois anos diagnosticaram-lhe o que ela mais temia: um cancro. Atirou-se a ele com uma coragem que achava que nunca iria ter. Deu ao marido a força que ele não tinha, animou os filhos e distribuiu beijos pelos netos como se tivesse acabado de sair de uma operação de renovação estética de um pulmão. A energia dela era tão grande que no hospital a equipa inteira a chamava de princesa. Com toda a razão, porque é isso mesmo que ela é. 
Já passaram dois anos; ligou-me há dez minutos, recém-saída da consulta de controle oncológico. "Podemos abrir uma garrafa de champagne", disse. Disfarcei o nó alegre na garganta, deitei o suspiro de alívio para trás das costas e deixei-me contagiar pelo riso franco de 78 anos que ainda acredita ter muito para criar. A minha mãe tem as mãos mais bonitas do mundo. 

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Bica

Não ligo nenhuma à comida. Nunca liguei. A almocite-aguda-militante que reina no nosso país sempre me pareceu um exagero e uma verdadeira perda de tempo. Sobretudo quando se torna necessidade absoluta. Claro que existem excepções. Uma delas é quando se aproveita essa hora para estar com alguém que não vemos há muito tempo. Outra, é, sem dúvida, almoçar na Bica do Sapato. Aí, confesso que me torno militante confessa da obsessão do almoço. Evidentemente que, no meu caso, não é pelo menu, apesar de ser excelente. É por todas as coisas boas que emanam daquele sítio, a começar na atmosfera, a continuar no rio, a prosseguir na luz que vem do rio e a acabar no rio. Claro que os magníficos arranjos florais ajudam, a educação dos empregados também, assim como a decoração. Mas é algo mais; e quem tem a Bica sabe, e tirou partido. Fez muito bem porque faz imensamente bem. Estive lá hoje. Nem me passa pela cabeça disfarçar.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sementes que esborracham tanques

Hoje, ela não via. Não lhe apetecia. Não conseguia. Há dias assim, pensou por instantes. Mas ela odiava abandonar-se à inevitabilidade dos momentos: sempre se recusara a ver a vida passar sobre si mesma, abanando a cabeça em negação quando os outros afirmavam em certeza-absoluta que a existência era como um tanque de guerra desgovernado esborrachando ervilhas humanas. O seu poder de mulher que domina a sua vida puxou-lhe as raízes dos cabelos com força. Obrigada a olhar para dentro, fechou-se na concha. Então, dentro do seu casulo, tomou de novo consciência: há coisas mais importantes, há sementes ainda por cima geradas pela força humana criadora. 
O pequeno ser puxou-a para si, deu-lhe um abraço milimétrico e, em sussurro inaudível, disse "não te preocupes, vai correr tudo bem"
Abriu os olhos. As cores, embora ténues, pintavam o mundo de novo.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

- Mãe, se eu fosse budista tu importavas-te muito ?
- Claro que não. Se a mãe tivesse que escolher uma religião provavelmente também não preferiria a católica. Mas por que razão queres ser budista?
- Porque é a única religião na qual o representante máximo não se julga superior aos homens.

Tenho um crente com 12 anos em casa. Assim se desfazem clichées pessimistas de adulto do tipo "estes miúdos de hoje não acreditam em nada". Dêem-lhes conteúdo para ter fé e ela aparece; nasce livre, argumentada pela cabeça deles e fora das imposições porque-toda-a-gente-na-família-é ou porque-a-nossa-cultura-diz-que-devemos-ser-assim. No mínimo dos mínimos, é bonito.

domingo, 26 de outubro de 2008

No domingo, biscoitos

Esta brincadeira começou há sete anos, tinha ele precisamente cinco. O miúdo, como todas as crianças, era fascinado pela cozinha; então instituímos que todos os anos saudaríamos a chegada do Outono, cozinhando biscoitos. Assim temos feito até hoje, com uma diferença maravilhosa: de há dois anos para cá é ele quem reclama as boas vindas feitas de farinha, ovos, manteiga e açúcar.
Este ano, incluímos mais uma novidade: o meu marido resolveu juntar-se a nós e trouxe peixinhos, porquinhos, veados, cavalos, árvores e velas em formas pequeninas que contaram outras histórias à nossa tradição de Outono. Depois, foi mais uma hora a soprar farinha e a lavar tigelas, colheres e bancada. Mas tudo isso vale. Vale muito mais que três horas passivas diante de um écran. Nada fica mais na memória do que um cheiro verdadeiro, uma gargalhada expontânea ou um conto que se desfia enquanto seis mãos desenham fantasias na massa. O meu filho é prova disso. E por isso todos os anos insiste.

Matar saudades

No sábado, éramos nove. 
Começámos por ser oito na cozinha, enquanto eu adereçava a carne com os ingredientes mais simples do mundo, entre copos de vinho saboroso, cigarros e cigarrilhas aspirados no doce prazer de muitas conversas que se cruzam e entrelaçam em abraços rendilhados. 
Fomos nove à mesa com a companhia do meu filho de doze anos, para muitas coisas mais adulto que muitos, e um verdadeiro companheiro em ocasiões como esta.
No sábado, éramos nove. 
E quando se foram embora os últimos, às quatro e muito da manhã, tive muita pena. Pena de não ter dito mais vezes o quanto gosto deles. Pena de não ter demonstrado suficientemente o gozo de os ter aqui.
No sábado éramos nove. 
Nove verdadeiros amigos. Por isso é que não é preciso dizer mais nada. Eles compreendem tudo. Muitas vezes mais do que a nossa conta. 
Voltem sempre meus queridos. 

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Sem título, sem tela


De repente era sexta-feira. Ela, embora antecipando saudades de uma cidade que só voltaria a ver quarenta e oito horas depois, dispôs-se a sentir tudo laranja e violeta pastel. Ela sabia que essa era a maneira mais bonita de fazer com que a segunda a recebesse com mais cores no arco-íris.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Cafeína e outras Ínas

Abusei do café. Fiquei cheia de speed. Senti-me a super mulher com um filho de 12 anos debaixo do braço e outro na barriga. Depois do dia de trabalho, fui com ambos às compras. Fiz 30 quilómetros para casa. Jantei às 9. Deitei o mais velho às 10.Tirei caixotes, despi os armários da roupa de Verão, vesti-os com os agasalhos de Inverno,voltei a colocar tampas e a empilhar caixas. Eram 11 da noite quando barriga e corpo deram o sinal de já chega. Arrastei-me para os lençóis a chamar-me todos os nomes. Às duas da manhã bebi um chá preparado com todo o carinho pelo meu marido. Mas era Esprit de Noel em vez de Rouge... mais teína entrou em circulação nos caminhos e auto-estradas do meu organismo. Noite em branco.Exagerei no esforço. Achei-me capaz de tudo. Hoje estou a pagar as favas mas são umas belas favas,devo reconhecer, arriscando-me a ser uma mãe inconsciente. Graças aos disparates de ontem não pude levar o meu rapazinho ao colégio.
Mimos em dueto. Surpresa-maravilha num dia de semana que ainda por cima é quinta-feira.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Who cares

Quando olhei para o relógio tinha passado tempo demais e eu abusara dos limites de leitura da minha revista das quartas. Saí. Sentei-me no carro e a cantarolar baixinho regulei os retrovisores laterais. Recuei devagarinho. Pum. Tanto acerto e esquecera-me de controlar a minha visão pelo espelho de cima. Pois. Bati num automóvel cinzento, tão cinzento quanto o casal que estava lá dentro. Saíram ambos com ar de quem todos os dias acorda disposto a embirrar com qualquer coisinha. Eu dei-lhes o mote. Depois de muito esfregar e observar descobriram uma mossa provocada obviamente pelo meu recuo a dois quilómetros por hora. Assinei o papel azul e amarelo. Segui. No viaduto, o meu caminho estava cortado, obrigando-me a entrar numa fila imensa. Quando cheguei ao escritório passava das dez e meia, hora sacrílega para quem costuma chegar às nove, como eu. Estou-me nas tintas. Hoje, o Outono assumiu-se, pleno de sol, descendo a temperatura como lhe compete. Eu avisei que gostava de Outonos assumidos, como aliás gosto de tudo na vida. Meias tintas é que não. São uma seca. E seca só quero mesmo no Verão no meio de um campo de trigo tostado pelo sol.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

H2O

Tenho muitos quilómetros de cansaço. O que me cansa, cansa-me, e eu não gosto. Faço a escolha: olho os horizontes disponíveis, perco-me neles e finalmente, salto. Pluf. Desapareci para longe. Para dentro de água, claro. Eu sou e serei sempre um pouco dela.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Nicolás Buenaventura

O homem, alto e magro, senta-se num banco de pernas compridas, resguardado apenas por uma orquestra vazia de músicos e um fundo de Deuses. 
Diante dele, um público ecléctico, assumidamente exigente, espera. 
O homem abre a boca e sem medo, avança, esquecendo que tem apenas pela frente adultos, pessoas que por se acharem crescidas talvez já tenham perdido a inocência ou a vontade de se encantar. Ou talvez não, porque estão ali. O colombiano magro, semicerra os olhos e usa os braços e as mãos, ambos longos, para complementar o seu espectáculo. Pontua-o aqui e ali, com instrumentos simples, como a cuíca. Tudo isto é acessório porque é na forma da voz metálica dele que reside a força do conteúdo.
Nicolás Buenaventura contou histórias lindas na passada sexta-feira à noite, no São Luiz, numa sala esgotada de gente crescida. O Nicolás é mesmo isso: um contador de histórias. É preciso ter uma enorme coragem. Mas ele chama-se Buena-aventura e também Buena-ventura. Acasos da vida que nunca o são.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Salta daí

- Mãe, mãe, temos um sapinho na piscina!
Ela foi a correr. Era verdade: sobre o azul-pastilha-pequena do reservatório rectangular, um pequeno sapo flutuava, os olhos vigilantes observando uma criança de 11 anos e quatro cães histéricos com a descoberta. A mãe achou que o bicho se safava sozinho mas pelo sim pelo não, e como era quase de noite, deram jantar aos cães e obrigaram-nos a ir para o canil mais cedo. Quando ele chegou a casa disse que os sapos não viviam em piscinas. Ela e o miúdo sentiram-se culpados, só que já estava muito escuro. Dormiram ambos a sonhar com rãs.

"Mãe, mãe, o sapinho continua dentro da piscina!" , voltou o filho no dia seguinte. Deixaram os cães presos a ladrar furiosos por perder tão fantástico aperitivo. Armaram-se de uma rede de cozinha e de uma tigela de vidro transparente e decidiram salvar o bicho. Por duas vezes o sapinho entrou nas caixas, frustrando as tentativas. À terceira, o miúdo descobriu como se abriam e conseguiram empurrá-lo para dentro do recipiente como se fosse um legume. Com cuidado, depositaram-no na relva.
"Salta daí, vai-te embora!", disse a criança; e o sapo, nada. Perceberam: era muita planície para tão pouco sapo. Voltaram a empurrá-lo para a tigela e, decidido, o puto levou-o para a floresta de bambus que cercava a casa. Assim que se viu entre a folhagem, o animal não precisou da ordem para saltar.

- Hoje fizemos  mesmo uma boa acção, não foi, mãe?
Ainda lhe resta a dúvida se a emoção que sentiu foi por causa da frase ou da comoção que viu nos olhos dele.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Ciccì Coccò

"A baby chick becomes adult in a few weeks, a cat in few months, a person in 13 years. In childhood we live in the state which in the far east is called Zen: our knowledge of the reality around us happens instinctively through what adults call play. All our senses are open to receive data: looking, touching, tasting, hot, cold, weight and lightness, hard, soft, rough and smooth, colours, shapes, distances, light and dark, sounds and silence... it's all new, everything is still to be learnt and play helps the memory.

Afterwards we become adults and part of society. One by one our senses close up, we hardly learn anything new, we only use reason and the word and the questions we ask are: how much does it cost? what is the use of it? What will I get out of it?

Then, once we are rich, we build ourselves a fine house by the lake and, as reminder of our happy childhood - lost forever - we put a complete set of colourful cement Snow White and the seven dwarves in the garden."

(Introdução do livro Ciccì Coccò, escrita por Bruno Munari.)

Deve ser por isto que eu ainda gosto de por o dedo no nariz às escondidas e de patinhar mil vezes a lama com umas galochas à séria, daquelas verdes. 
Obrigada querida amiga V. por este presente. Sejamos eternamente crianças por dentro e assim suficientemente mágicos como para não roubar isso aos nossos filhos. Será que sou capaz? Hoje vou partilhar uma pastilha elástica com uma amiga. Prometo.

(roubei indecentemente a foto da capa da internet mas não queria deixar de a mostrar; espero que o Bruno Munari e o Enzo Arnone não se zanguem comigo.)

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Maçãs por um fio

O sr. Rebôxo é o faz-tudo aqui do pátio. Sendo completamente justa: é o ajuda-todos cá do sítio. Claro que o sr. Rebôxo é alentejano. Pequenino, usa um boné que não tira nem por nada e tem certamente para além de sessenta anos; mas o sorriso dele é tão fácil que obviamente pode ter muitos mais que parecerá sempre menos. 
No nosso pátio há uma árvore bem grande que é mais uma vizinha e, esta, das boas. Há cerca de um ano, quando me mudei para aqui, reparei numa maçã, já bastante desmaiada, que pendia de um fio de pesca por um dos ramos. Intrigada, perguntei ao sr. Rebôxo o que vinha ser aquilo, até porque a árvore não é nenhuma macieira.
" 'Tá-se memo a ver que a senhora é da província..." disse ele arrastando o sotaque. O brilho dos olhos e o sorriso cheiraram-me a partida. Era mesmo. O bom do Rebôxo, sabendo que a maioria das meninas do pátio provavelmente nunca tinha visto um pomar, resolveu dar-se ao trabalho de pendurar maçãs e pêras em todos os ramos antes da hora de chegada dos inquilinos do larguinho. Não teve que esperar muito pelo resultado daquilo que sabia que iria acontecer: dali a duas horas muitas eram as que perguntavam como era possível uma planta daquelas dar maçãs e pêras...
O sr. Rebôxo ri muito ao contar esta história. E quem o ouve, fica contagiado. Os Rebôxos da vida fazem mesmo bem. 

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Braços que falam

Abraço. Acto de envolver algo ou alguém nos braços. Muito mais que isso. Os abraços falam o que a boca não diz ou revelam o que as palavras escondem. Receber um abraço é sempre receber uma intenção. Não adianta escondê-la; o gesto vai destapá-la mesmo que quem o faça acredite que consegue ser actor. Os abraços vêm do peito, do centro, de dentro. São tudo menos frases feitas, certezas modernas ou sentimentos que ficam bem. Um abraço é Verdade. Eu não me permito a enganos quanto aos abraços. Não os desperdiço. Não os dou a quem não quero. Não os recebo daqueles que se escondem. Talvez por isso o meu mealheiro de abraços é sólido, está cheio, e é esbanjado sempre que existe a oportunidade de uma dádiva verdadeira.
Hoje tive dois, bem fortes, logo pela manhã. Eram honestidade absoluta sobre o amor e a entrega. Sem palavras, sem promessas ocas; com uma sinceridade plena que ficou gravada em cada centímetro de pele  de forma a perdurar para seja qual for a medida do sempre. Abraços assim valem a pena.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Panos do céu

O ar cheira a fresco. Poças dispersas em forma de coração, pé e estrela do mar explicam porquê a quem não ouviu o céu a limpar a terra de madrugada. Bem cedo, o mundo está transparente e em paz. A minha dor de cabeça desvanece-se.

domingo, 12 de outubro de 2008

A importância de ser pijama

Se alguém tiver um guarda-pijamas, por favor avise que é para eu ficar cheia de inveja. Pode parecer estúpido mas um armário só para estas coisas devia ser obrigatório. Não percebo como é que nunca ninguém nos ensinou isto. Um pijama, camisa de noite, vestuário para ir dormir, ou como se queira chamar, não é assim uma peça tão simples de escolher e está sempre carregadinha de significados. O acto de o usar depende muito da circunstância. Até aqui, tudo parece óbvio. Agora a forma como o usamos e sentimos é outra história completamente diferente. 
Eu aprendi a não gostar de estar num pijama qualquer na minha vida adulta, a dois. No entanto, sempre que chego à casa da minha infância, não abdico de tomar o pequeno almoço nesses preparos, tal como fazem os meus pais e tal como tenho a certeza que fariam os meus irmãos, se pudessem lá ficar quando passo os fins de semana com todos. Numa escapadela com amigas que não se vêem há muito tempo, o pijama tem de ser confortável para poder resistir às gargalhadas, às noites sem fim de conversa, ao fumo dos cigarros e às trocas inevitáveis de roupa que inevitavelmente se irão fazer. A camisa de noite que mostramos aos nossos filhos quando eles acordam com um pesadelo a meio da noite, geralmente esconde a outra maravilhosa de renda com que seduzimos o nosso marido antes de deitar. E a roupa para dormir que levamos numa viagem de trabalho muitas vezes é o descontrair de tudo isto porque finalmente estamos sozinhas e podemos usar as calças mais moles do universo e a t-shirt que não conseguimos deitar fora porque é a que comprámos na primeira viagem a NY há 20 anos e embora já tenha um buraco pequeno do ferro na gola continua a ser a mais bonita do mundo... mas apenas para quando estamos connosco. 
Não deixam de ser maravilhosas estas mil e uma maneiras de sentir um pijama. Eu, gosto especialmente de duas. A primeira é a dos regressos à minha família de origem. Tem o poder de me fazer sentir filha de novo e traz à memória a escolha difícil entre os papo-secos feitos em forno de lenha e as arrofadas a babar de manteiga e côco. A segunda é quando ele olha para mim de manhã e, sem reparar que tudo o que tenho é novo e foi comprado de propósito, me diz: não sei o que fazes, nem como o fazes mas és linda... és mesmo linda.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Santos

Tenho um escritório que é como se fosse casa.
É casa porque sempre quis viver de algum modo aqui. É casa porque todos os dias me faz sentir bem. É casa porque tem objectos que fazem parte da minha vida e da minha história. É casa porque me dá prazer cuidar. É casa porque tem vizinhos bestiais, vizinhos-cromos e vizinhos insuportáveis com os quais nem troco duas palavras. É casa porque é refúgio.
Mas também é como se fosse. E isso é duplamente agradável: às sextas-feiras fecho a porta com prazer e ás segundas volto com saudade. Até segunda, caro amigo.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

No weather can tear us apart

Não importava a meteorologia da relação. Quer tivessem tido um dia de luz ou um dia de trovoada, as duas únicas regras que tinham em segredo, mantinham-se: as boas noites eram completadas com um beijo; o adormecer com a certeza de que não existiriam conflitos entre eles capazes de perturbar o mundo dos sonhos. 
Eles só queriam ter a certeza de que seriam capazes de acordar amanhã.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Que saudade

Saiu de casa. Fez parte das filas no trânsito. Suspirou. Deixou o primeiro filho na escola com um beijo e uma festa carregados de ternura. Tomou pequeno almoço. Deu alimento de amor ao miúdo ainda de dentro. Passou os olhos pela revista. Apanhou uma nova sucessão de automóveis vagarosos. Suspirou mais uma vez. Atravessou avenidas, subiu viadutos, virou várias vezes à direita e depois à esquerda em ruas sinuosas. E quando já estava bem farta de sentir a pele por cima do volante, do banco e do braço, chegou ao estúdio.

Reconheceu caras e estas reconheceram-na. Disseram-lhe "que saudades tuas". Ela esqueceu de imediato as mil rodas e os semblantes mal dispostos. No fim do dia estava cansada mas ainda lhe disseram "que saudades tínhamos de te ver, volta sempre".
Que sorte tenho, pensou.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Golias

O verde fazia-me falta. Mas não era o verde cortado. Era o verde que cresce todos os dias, o verde que é preciso cuidar porque também fica triste com conversas tristes e reage com vida ao toque da nossa mão. Como não podia deixar de ser, apaixonei-me por um verde grande, lindo e brilhante, a que chamei Golias. 
"Não fique triste se ele perder as folhas todas", disse a jardineira, "... é natural"
Enganou-se: por cada vez que se despe, o meu verde veste-se de novo. E não é por vergonha. Natural foi para ele fazer parte do meu espaço e renovar-se todos os dias.
Por umas gotas de água borrifadas com cuidado, tenho oxigénio e força de vida á borla, diariamente. Maravilhas de uma natureza em que muitas vezes não reparamos.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Os telefones deviam ter legendas

Ligou-lhe a meio da manhã.
- Sabes uma coisa? Estou em Estremoz e acabei de encontrar um globo igualzinho àquele de que gostaste tanto lá em casa. Acabo de o comprar para ti.

Se o telefonema tivesse legendas, o que ela quereria dizer era percebi-que-estás triste-percebi-que-precisas- de-um-mimo-e-por-isso-lembrei-me-de-ti-embora-saiba-que-não-resolva-é-um-carinho-que-pelo-menos-adoça-o-amargo-daquilo-que-possas-estar-a-sentir.

Uma das coisas mais inteligentes que Deus fez foi conceder-nos a Graça dos amigos. 
Agradeço-lhe todos os dias. Só espero que Ele perceba.

domingo, 5 de outubro de 2008

Metrópoles do nada

Eu só quero ser feliz. Eu só quero fazer-te feliz. Eu só quero é que eles sejam felizes. Irra. Falamos tanto na palavra que acabamos por banalizar todo o seu significado. 
Como dizia a canção, felicidade é uma cidade pequenina.
Enquanto não compreendermos isso, vamos continuar a andar à procura de metrópoles cor-de-rosa, cheias de arranha-céus sem dimensão nem estrutura. In-felicidade, é o que isso é. E parece que anda meio mundo a ter gozo nela. Vou fugir a sete pés.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

It's oh so quiet

it's oh so quiet
it's oh, so still
you're all alone
and so peaceful until...

you fall in love
zing boom
the sky up above
zing boom
is caving in
wow bam
you've never been so nuts about a guy
you wanna laugh you wanna cry
you cross your heart and hope to die

'til it's over and then
it's nice and quiet
but soon again
starts another big riot

you blow a fuse
zing boom
the devil cuts loose
zing boom
so what's the use
wow bam
of falling in love

it's oh so quiet
it's oh so still
you're all alone
and so peaceful until...

you ring the bell
bim bam
you shout and you yell
hi ho ho
you broke the spell
gee. this is swell you almost have a fit
this guy is "gorge" and I got a hit
there's no mistake this is it

'til it's over and then
it's nice and quiet
but soon again
starts another big riot

you blow a fuse
zing boom
the devil cuts loose
zing boom
so what's the use
wow bam
of falling in love

the sky caves in
the devil cuts loose
you blow blow blow blow your fuse
when you've fallen in love

sshhhhhhhhhhhh....

A paixão, segundo Bjork.
Faz-me rir. Sempre. 
Só pode ser boa.