quinta-feira, 30 de abril de 2009

Batata não entra

Mergulho as folhas compridas, verdes e carnudas, em água morna. Passo os dedos com meiguice, retiro vestígios de terra (santa terra) e pó do ar da mercearia. Deixo escorrer a água e separo as folhas dos talos, colocando-as sobre papel para ficarem bem secas. Dedico-me então às courgettes. Com uma faca afiada retiro a casca e corto-as em pedacinhos que deito sobre água a ferver com azeite e sal. O mesmo destino têm as cebolas, pequenas e perfumadas. Por fim, o meu legume preferido sai da sua coberta de papel e entra na água. Tapo a panela: em dez minutos a cozinha fica perfumada. Adoro sopa de espinafres. Nota-se muito?

(Enquanto isto, o Vicente dorme o sono dos pequenos justos, autorizando estes prazeres simples. Obrigada, meu amor.)

quarta-feira, 29 de abril de 2009

A birra dele e a minha

Hoje perdi a paciência, enervei-me, tive pena de mim própria, senti-me sozinha e desinteressante por me sentir sozinha. Tudo começou por uma birra que desencadeou outra e se colou com mais outra, provocando uma quarta: a minha. 
Há dias assim. A esta hora, depois da primeira refeição quente do dia, ganho distanciamento, chamo de volta a maturidade, recupero a capacidade de relativização das coisas: olhando para trás, como num flashback de filme, procuro rir-me com os exageros do dia. E consigo.

terça-feira, 28 de abril de 2009

100 Dias




Já passaram mais de cem dias. 
O que fez notícia correu o mundo. Mas dos bastidores não conhecemos nada... até hoje. Behind the Scenes é uma deliciosa reportagem dos bastidores contada pelas imagens da fotógrafa da revista Time, Callie Shell.

(Quem não se contentar com a amostra pode sempre ir espreitar: http://www.time.com/time/photogallery/0,29307,1893255,00.html)

Vinte, e mais alguma trazida pelo ar

Quando aqui chegámos era Janeiro e as árvores do meu jardim mostravam a sua nudez, quase com vergonha. O guarda-sol, vindo da outra casa, instalou-se confortavelmente e, acompanhado da mesa e bancos de exterior, pareceu conquistar o relvado, vaidoso.
Passaram três meses. A energia da terra e das raízes brotou. Agora o verde invade profusamente o espaço em inúmeras formas e cores. Subitamente, os objectos perderam a sua arrogância, ficaram pequeninos, reduziram-se à insignificância de serem meras coisas, abafados que estão pela força da natureza.
O meu filho mais velho tem de desenhar e pintar vinte folhas de plantas, usando tonalidades diferentes de verde e castanho. Disse-lhe para ir para o jardim. Difícil vai ser escolher.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Voraz

Uma amiga explicou-me certa vez que existem dois tipos de leitores: os que procuram o enredo, devorando as páginas como gourmets sôfregos, e os que apreciam o estilo, demorando-se em cada linha para saborear o conteúdo palavra a palavra. 
Sei que faço mais o género do primeiro tipo: sou absolutamente voraz. Por isso gosto tanto quando um livro me agarra e me deixa sem espaço para mais nada, quando me obriga a voltar a ele qual amante possessivo, quando me faz sonhar com os personagens ou inventar o fim para descobrir depois, com surpresa e agrado, que aquele afinal era outro e muito melhor.
Contudo, há muito tempo que não tenho o prazer de ter entre mãos uma obra assim. Andarei a fazer as escolhas erradas? 
Sugestões precisam-se urgentemente, por favor. Mas atenção que só aceito as boas.

domingo, 26 de abril de 2009

Admirável mundo novo

Confesso que estive bem confortável durante muito tempo. 
A água, morna, envolvia-me, criando um leito suave e silencioso onde de tempos a tempos escutava sons difusos em tons cada vez mais reconhecíveis: ela, ele, alguém mais novo, outros. Cresci, alimentado sem esforço, num sono em posições diversas, não raras vezes de cabeça para baixo. 
De repente, não sobrava muito espaço: empurrei gentilmente. Tão gentilmente que ela, a princípio, nem reparou. Insisti: tiraram-me a água. 
Então, querendo ver-me como já me havia dito tantas vezes, ela ajudou. Odiei a passagem pelo túnel mas vi luz lá fora. Tanta que semicerrei os olhos e chorei.
Mãos firmes ampararam a minha chegada e colocaram-me numa pele que eu reconheci pelo cheiro como sendo a dela. Percebi que ela e ele choravam, fiquei tranquilo. Era verdade, eles amavam-me mesmo, queriam-me de verdade.

Nasci a 25 de Março, sob o signo de Carneiro. 
É incrível como um mês depois já posso contar tanta coisa.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Uma questão de espaço







"A liberdade é o espaço que a felicidade precisa."
Gostava de saber quem escreveu esta frase. Acho que lhe dava um beijo.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Tem dias

Hoje-não-consegui-fazer-nada foi a minha frase preferida de 23 de Abril, sem nenhuma razão de ser. Fico irritada com momentos destes. O melhor, contudo, é não forçar, aceitar. Há dias assim.

terça-feira, 21 de abril de 2009

O que não sabemos quando somos apenas filhos


Quando somos exclusivamente filhos, achamos um disparate que a nossa mãe não durma antes de chegarmos a casa depois de uma boa noite de copos com os amigos.
Quando somos unicamente filhos, pensamos que é um exagero os pais quererem saber como quem vamos, com quem estivemos, onde e como fomos.
Quando somos apenas filhos, parece-nos uma verdadeira afronta todas as recomendações de cuidados que nos fazem.
Chegamos a rir-nos ou a revirar os olhos na cara deles quando dizem aquela frase do 'um dia, quando tiveres filhos, verás'.

Só que de repente, esse dia chega. E finalmente compreendemos. Finalmente damos valor.
Eu tive mais uma vez essa prova no fim-de-semana passado quando me deparei com a perspectiva imaginária de poder perder o meu filho mais pequenino. Graças a Deus não passou de um susto desagradável que, contudo, implicou hospitais e todos os ingredientes acessórios a uma operação a um ser diminuto de 26 dias. 
Estas coisas instalam-se na memória para sempre sob a forma de um medo que se controla porque há que ser adulto. Mas ficam lá como ferros em brasa prontos a fazer doer.

Grande parte de ser pai tem a ver com sofrimento e preocupação.
Ainda bem que o que se recebe é tanto que ninguém se lembra disso.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Orgulho

No blog da escola, a professora-tutora de Lengua (equivalente à disciplina de Português) mencionou o pedido do miúdo e anexou o vídeo. Provavelmente, hoje, muitos pais e mães daquele colégio já sabem como as escolas podem matar a criatividade graças às conferências T.E.D., à abertura e coragem de uma professora e a um rapazinho de 12 anos.
Que grande orgulho ter um filho assim.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

A natureza humana

De passagem

"Um americano tinha ouvido falar de um monge budista que todos consideravam um sábio. Curioso, foi-se encontrar com ele. Quando lá chegou, percebeu que na casa do monge só existia uma cama e uma estante cheia de livros. Então, perguntou-lhe: 
- Por que é que não tens móveis?
O monge respondeu:
- Onde estão os teus?
O americano respondeu:
- Eu estou de passagem...
O monge afirmou:
Eu também.

História contada por Tomás, 12 anos, dando azo a uma interessante conversa com a avó Tita acerca das teorias da reencarnação.

terça-feira, 14 de abril de 2009

A língua

Já aqui disse que o meu pai, com a juventude de espírito dos seus 81 anos, todos os dias tenta controlar e usar de forma exímia esta fantástica máquina, chamada computador.
Mas ele faz mais. Aliás, consegue autênticas proezas 'computadorísticas' de que mais ninguém é capaz. A última é que, no seu blog (sim, o Alberto também fez um blog) os títulos dos posts aparecem com uma das metades na nossa linda e perfeitamente compreensível língua lusa, sendo que a outra (que geralmente é a primeira) surge numa escrita impossível de se entender. 
E o que ninguém sabe é como é que aquilo se faz. Ou como se tira. Chorei a rir.

domingo, 12 de abril de 2009

Metamorfose

Hoje, ela transformara-se em água. 
Água a rodos, daquela que inunda, que aparece a qualquer momento sem se fazer anunciar. Sem motivo. Ou cheia deles.
Ele não percebeu. Ficou impaciente. Transformou-se em irritação.
Ela, então, procurou secar-se por dentro só para ele não a ver. 
Foi inútil. A tempestade era mais forte.
Ele endureceu ainda mais.
A água chorou por ela. 

sábado, 11 de abril de 2009

O caçula

Tenho sono. Muito sono. A cabeça descai-me diante do écran do mac, as pálpebras pesam como chumbo, as mãos cessam de teclar. Tenho um trabalho árduo e longo pela frente: rever pela quinta vez o meu manuscrito e, agora, usando toda a minúcia, procurando o mais ínfimo detalhe, porque esta vai ser a derradeira vez. Depois, ele seguirá em direcção às máquinas e aí nada mais haverá a fazer: qualquer tropeção na língua ficará para sempre rotulado como tropeção da autora. Por isso este passo é tão importante. E, no entanto, adormeço. Sim. Roubaram-me horas de sono. Com toda a justiça e pleno direito. 

Por muito relevantes que sejam outras coisas, nada é mais importante que alguém que decidimos fazer crescer neste planeta para um dia largar à sua sorte e, quem sabe, mudar o mundo.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

La Famiglia

De repente está mais frio e voltam a acender-se aquecedores como se a estação das flores se tivesse cansado de esperar por nós, fizesse saltar o Verão e cedesse o lugar ao Outono.
Eu sei que é mentira. Não acredito que ela fosse capaz. E depois, segundo alguns, tenho o termóstato avariado, o frio não me afecta. 
Mas não é nada disso. Eu estou é muito quentinha por dentro. Sabem como se chama esse calor? Família.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Sem lugar a culpas

Há cerca de 15 dias comprei um livro por achar que o devia ler, por um motivo puramente técnico ou, se se quiser, com a desculpa de 'conhecer o mercado'. 
O livro tinha sido precedido de algum alarido em número e tipo de notícias de imprensa (ainda por cima em títulos bastante respeitáveis) com comentários elogiosos à escritora, já considerada um 'novo talento'. Admito que o título me pareceu anzol fácil: uma das palavras, "transa", no sentido brasileiro do termo, parece-me um isco demasiado óbvio. Mesmo assim, adquiri-o.
Passaram duas semanas e não consigo passar da décima página. A autora escreve bem, é um facto. Mas o tema é o mesmo de muitos outros livros, rotulados hoje em dia como light. Pelo menos nas dez primeiras páginas; e, para mim, o princípio de um livro é como o princípio de um filme: ou nos agarra pelas mãos e nunca mais nos larga ou é um aperto de mão mole e sem vida do qual queremos fugir para sempre.
Acho que, mais uma vez, vou seguir um dos conselhos de Daniel Pennac na sua maravilhosa bíblia dos direitos do leitor, "Como um Romance": vou abandonar o livro. 
Existem demasiados autores cheios de boas ideias, prontos a serem lidos. E, na falta de um destes, há sempre um clássico maravilhoso a chamar por nós com saudade na estante da sala.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Sir Ken Robinson

Segundo Sir Ken Robinson as escolas andam a matar a criatividade das nossas crianças e nós continuamos a assistir, impávidos. Vale a pena assistir à sua conferência. É perfeita para quem não tem receio de colocar standards em causa, sobretudo em prol dos seus filhos.

http://www.ted.com/index.php/talks/ken_robinson_says_schools_kill_creativity.html

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Coser as palavras

No outro dia, na exposição de fotografia, havia uma, muito bonita, cujo título era "coser as palavras". Gostei. É isso que faço há muitos anos: coser palavras umas às outras servindo determinados propósitos comerciais ou, espero, de aqui em diante, também pelo puro prazer de contar histórias mais compridas.
Habitualmente agulha e linha não me costumam faltar; hoje não é o caso. Por isso, vou dedicar-me à leitura de outros que, muito melhor que eu, as souberam coser com tanto rigor que as transformaram em livro e artigos de jornal. Amanhã trago linhas novas, prometo. 

domingo, 5 de abril de 2009

Descoberta

O meu marido descobriu um lado seu que não conhecia. É mesmo esse. É lindo de se ver. Ele não o consegue descrever por palavras porque acho que se comoveria ao ponto do seu coração não aguentar. Mas os olhos falam e, também eu, fico sem voz, com o meu sentimento por ele a rebentar no peito.
 
A vida está cheia de momentos em que a paz nos faz freeze como num filme. São estratégias dos Deuses para que tenhamos tempo de os observar, sentir e guardar para sempre. O truque é mantê-los sempre à superfície... para nunca deixar que a voragem mais desinteressante da existência ocupe o seu lugar.

sábado, 4 de abril de 2009

A inveja do Amor

Não percebo porque é que a maioria das pessoas adora ver apenas o lado mais negro das coisas. 
É uma espécie de prazer mórbido que não aceito nem consigo compreender. E em determinadas situações da vida, acentua-se ainda mais.
Uma mulher fica grávida e logo aparecem as mil recomendações mirabolantes e os vaticínios do pior, sob a capa do 'tens que estar preparada para'. O absurdo sucede o absurdo, de tal modo que aquilo para que temos que estar realmente preparadas é para ser imunes a todos os conselhos idiotas que nos vão dando. Desde o alimentar-se por dois até ao não se poder ser vegetariana, vale tudo. 
Depois, vem o papão do parto e o horror que certamente serão os primeiros meses com a criança porque, obviamente, 'vocês têm que se preparar'. Isto, claro, a somar-se aos comentários sobre se estamos demasiado magras ou desleixadas de gordas, a forma da barriga, e os presentes horrorosos que insistem em comprar sem sequer nos pedir opinião.
A seguir, e sobretudo se tivemos um parto fácil, se não fizemos drama sobre nada, se até ficámos com uma figura decente e - bolas! - ainda por cima o bebé é um santo, então o melhor é ter atenção porque chegam as afirmações perfeitamente definitivas de que 'demasiado colo cria manha', 'é melhor deixar chorar uma criança porque abre os pulmões', ou  as parecenças com falta de tacto e de muito chá.
Confesso que estas últimas me põem mais fora de mim do que todas as anteriores. Graças a Deus tenho uma mãe que sempre viveu as suas gravidezes e partos com alegria e por isso nunca fez deles enredos de novela barata.
Se há coisa que não admito são restrições ao Amor. E se há alguém que precisa dele é um bebé, como depois a criança, o adolescente e o adulto. Mimo e amor a mais nunca fizeram mal a ninguém; muito pelo contrário, apenas ajudam a fazer crescer seres mais seguros de si mesmos porque não têm quaisquer dúvidas sobre se são amados ou não. 
O que faz verdadeiramente mal é a inveja, o negativismo, a vontade de olhar sempre para o lado mais negro, a dureza, a secura, o prazer em tirar o prazer de alguém em situações tão bonitas quanto estas.
Nunca admiti e não é agora que admitirei.
Ainda por cima tenho um filho que foi criado com muito Amor: o resultado não poderia ser melhor. Por isso, vou repetir a dose com o mais novo; se calhar até a vou melhorar e intensificar, para corrigir o que possa ter corrido menos bem da primeira vez.

Por isso, a todos aqueles que gozam com o pior lado da vida, digo cada vez com menos cerimónia que não me interessa a sua opinião. Mais, não quero a sua companhia nem o seu contacto porque tenho a certeza que ali não há amor e eu gosto, gozo e procuro distribuir Amor. Mas não considero sequer a hipótese de o desperdiçar com quem não o sabe receber.

Por qué no se callan? 

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Eduardo

Nunca o achei simpático. Sempre me enervou um pouco o seu lado "aqui no burgo intelectual só entra quem eu quero". Mas nunca consegui negar a evidência de que o senhor era profundamente inteligente e confesso que no dia da sua morte senti que a cultura portuguesa ficava sem um braço. O que eu desconhecia era que pouco antes de partir ainda nos deixou um texto com uma profunda actualidade e lucidez, que espelha tudo aquilo que também eu penso sobre nós os portugueses. 
Fica aqui para quem quiser ler... e pensar seriamente sobre por onde anda a sua atitude. 

"PRECISA-SE DE MATÉRIA PRIMA PARA CONSTRUIR UM PAÍS

A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. 
Agora dizemos que Sócrates não serve. 
E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada. 
Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates.
O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria prima de um país.
 
Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro.

Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.

Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.

Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos... e para eles mesmos.

Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração do IRS para não pagar ou pagar menos impostos.

Pertenço a um país:
- Onde a falta de pontualidade é um hábito;
- Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano;
- Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e, depois, reclamam do governo por não limpar os esgotos;
- Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros;
- Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é 'muito chato ter que ler') e não há consciência nem memória política, histórica nem económica.
- Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar alguns.

Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser 'compradas', sem se fazer qualquer exame.

- Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar.

- Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão.

- Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.

Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ontem corrompi um guarda de trânsito para não ser multado.

Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.

Não. Não. Não. Já basta.

Como 'matéria prima' de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que o nosso país precisa.

Esses defeitos, essa 'CHICO-ESPERTICE PORTUGUESA' congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até se converter em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente má, porque todos eles são portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra parte...
Fico triste.
Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada... 

Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá.
Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, nao serviu Cavaco, nem serve Sócrates e nem servirá o que vier.

Qual é a alternativa?

Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror?

Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa 'outra coisa' não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados... igualmente abusados!

É muito bom ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, então tudo muda...

Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um messias.

Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer.
Está muito claro... Somo nós que temos de mudar.

Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a acontecer-nos:
Desculpamos a mediocridade em programas de televisão nefastos e, francamente, somos tolerantes com o fracasso.
É a indústria da desculpa e da estupidez.

Agora, depois desta mensagem, francamente, decidi procurar o responsável, não para o castigar, mas para lhe exigir (sim, exigir) que melhore o seu comportamento e que não se faça de mouco,de desentendido.
Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO DE QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO.

AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO NOUTRO LADO.

E você, o que pensa?... MEDITE!

Eduardo Prado Coelho

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Semanário

O miúdo mais velho fez as contas: ele tem 4.380 dias, eu tenho 16.060, o meu marido 15.350, os avós maternos 29.565 e 28.470. 
Bolas, são mesmo muitos dias. 
Sobretudo quando comparados com os magros 8 que o nosso pequeno bebé acabou de fazer. 

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Hospital da Luz

Dentro da sala de vacinação, os pais antecipavam a dor do recém-nascido. Ela, tinha vivido a experiência antes. Para ele, era a primeira vez. Delicado, o enfermeiro explicou que algo mudara desde que a mãe tivera o primeiro filho, há doze anos; essa mudança fora introduzida no Hospital da Luz para fazer do Teste do Pézinho algo menos desagradável para os bebés. Ela sentou-se, pegou no bebé ao colo e seguindo as instruções, pô-lo a mamar.
A enfermeira entrou. Quilómetros de bebés dos mais diversos tipos adivinhavam-se-lhe na face tranquila. A experiência de muitos pais com maior ou menor dose de sofrimento pelos filhos, também. Aproximou-se do casal como alguém que adora crianças, elogiou o descendente com carinho: um terço dos músculos retesados pela angústia, descontraiu. Depois, zelou pelo bem estar da criança, preocupou-se com a mãe, fez conversa com o pai, teve tempo para uma graça, enquanto picava o pé minúsculo. Terço a terço, os restantes músculos dos progenitores voltaram ao seu lugar natural. Quando a prova ficou pronta, despediu-se com carinho e foi-se embora.
Dizem que os profissionais de saúde perdem o coração em algum ponto da sua vida. Não é verdade: alguns, não só não o perdem como o conservam bem grande. Como em tudo o resto, ele existe e permanece inalterado em todos aqueles que realmente amam o que fazem. A isso se chama verdadeiro profissionalismo. Também.