terça-feira, 31 de janeiro de 2012

alternando papéis

Hoje examino os meus alunos da Faculdade. Amanhã viro-me do avesso e sou eu quem presta provas para a Licenciatura de Psicologia. Entretanto também faço de mãe, profissional, amiga e, quando sobra tempo e silêncio, de mim mesma. A vida é mesmo assim, um contínuo de papéis em constante alternância.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

felicidade

Eram 07.30 da manhã quando acordou. Disse apenas duas frases...

- Mãeee! Dormi muito bem! 
- Hoje vou à escola!

... E cantou durante todos os minutos duas horas que se seguiram, em casa, no carro e à chegada à escola. O meu filho mais pequenino está finalmente de boa saúde, depois de quinze dias a suportar tosse, febre, uma respiração deficiente e trezentos medicamentos de dia e de noite. Foi difícil como o raio, serve o cliché para dizer que me teria substituído a ele mas os Senhores lá de cima não atenderam aos meus pedidos. É que ele é tudo menos doença, é tudo menos melancolia e silêncio, se fosse possível dar-lhe outro nome que não o seu, esse nome seria Alegria. Deixemo-nos de merdas, Felicidade é isto.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

há livros e livros







Larguei ontem um livro que estava aborrecido sobre a mesa de cabeceira e comecei este graças ao conselho de uma boa amiga. Maravilha quando um livro nos prende desde a primeira página. Façam o mesmo quando tiverem livros que não andam nem atrasam, é um dos direitos do leitor. Um bom fim de semana e se puderem, leiam, leiam muito. Os escritores merecem e precisam.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

oblivion



















Se não se importa, fazemos agora um intervalo. Preciso de dormir um bocadinho, só um bocadinho, prometo que não será muito tempo, apenas o suficiente para descansar sem o despertador das obrigações. Pode ser que consiga relaxar este ombro esquerdo que me encolhe o pescoço e endurece a postura, ou endireitar a coluna... mas não, não,lá estou eu a impor regras ao sono... quero somente dormir e sonhar com rigorosamente nada, fechar por breves instantes a porta à realidade, deslizar o blackout e entrar naquela palavra maravilhosa chamada oblivion. Vá tomar um café, aproveite para fazer uns telefonemas, mande um email. Daqui a nada já estarei de volta, sim?

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

o vírus apaixonado

Afinal a paixão era a razão de tudo. No seu modo sempre gentil, a médica explicara que a sonolência e a sensação de estar zonza estavam relacionadas com o vírus que resolvera apaixonar-se por ela e invadir com armas e bagagens o seu espaço vital. A mulher suspirou de alívio. Ainda bem que havia uma desculpa física para a falta de ar.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

o melhor que se pode


No relógio, as horas passavam como se fossem segundos e no calendário os dias sucediam-se como se empurrados por uma nova velocidade. A mulher levou as mãos à cabeça e riu. Riu-se de si própria, riu-se das coisas comezinhas que por vezes lhe empatavam a existência, riu-se da sua vida, riu- se do seu cansaço, riu-se um pouco menos das preocupações, mas riu. Afinal, tudo é efémero, tudo passa, demore esse tudo mais ou menos tempo. A consolação da beleza servia como bom motivo: as rugas do riso são sempre mais bonitas de se ver e de serem contadas do que as da amargura ou da tristeza. Restava-lhe então ter paciência e ter a única certeza possível neste mundo: a de fazer sempre o melhor que podia, em cada ocasião.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

a palavra

A mulher passava a vida a apregoar que nunca ficava doente. A realidade era essa. Diziam-lhe que comia pouco, que estava magra (ou mesmo demasiado magra), que não dormia nem descansava o suficiente, 'um dia ainda apanhas uma anemia', agoiravam. É certo que andava mais cansada, um filho adolescente e outro de dois anos e meio saem do pêlo e sobretudo da pele das mães, que querem que vos diga, é um facto, os sonos eram curtos e demasiado ligeiros mas de cada vez que fazia análises, radiografias e quejandos, estava sempre tudo perfeito. 
Contudo, o mês era Janeiro e o ano, 2012. Culpa dos Maias, do signo dela, do buraco do ozono, de uma partida dos Deuses ou tão simplesmente do frio, a realidade é que o novo mês entrou e ela foi brindada com acessos de tosse, dores de garganta e estados mais ou menos febris. Vinte e três dias depois resolveu por fim dar parte de fraca e fez o que toda  a gente fazia: consultou um médico. Uma vez mais, o sangue dela era lindo e vaticinava o melhor, os pulmões (apesar dos cigarros) apresentavam-se pujantes e saudáveis. Calcanhar de Aquiles era mesmo a garganta, vermelha até mais não poder e responsável pela rinofaringite cujos sintomas a tinham levado à prostração e irritação, e daí à consulta.
Foi à farmácia e, lá em cima, no céu, os Senhores sorriram. A mulher, também: ia tratar de si e voltaria a ser a mesma. Era um alívio. Ela sabia que era uma doente insuportável. A palavra doença tinha de lutar todos os dias para não ser arrancada à força e continuar a fazer parte do dicionário dela.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

flowerpower


Tenham um excelente fim de semana.

o cheiro

Tudo começou num cheiro. 
Cheirava a queimado em todas as divisões do espaço. Alguém viu fumo. Outra subiu as escadas procurando indícios noutros andares. 
Uma cabeça imaginou e viu uma mulher mais velha queimando cartas de amor de um amante impossível, enquanto o marido dormia a sesta inebriado pelo fumo, quem sabe não poderia ser aquela a oportunidade de uma vida diferente, ainda que aos setenta anos. 
Ou vagabundos fazendo uma fogueira de lenha barata impregnada de óleo de motor de tractor, num festim de restos de lagosta roubados dos caixotes do lixo de um restaurante fino da zona. 
Ou ainda um fósforo perdido por entre as traves de madeira do soalho pegando fogo a serradura misturada com baratas e pó. 
Nesta visão, a cabeça deteve-se e voltou à realidade. Afinal, o cheiro já andava mais longe e era preciso regressar ao trabalho. 'Aquiete-se, sua louca da casa', disse-se a si mesma a cabeça. E sorriu, lembrando-se do livro de Rosa Montero onde se demonstrava como a vida era pródiga em coisas simples, muito prestáveis à criação de histórias fantásticas.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

na cabeça

















A dor de cabeça era gigante, daquelas que entram pelo nariz e se sentem na boca, das que não permitem uma palavra sequer, um milímetro de gesto ou movimento.
A mulher sonhou que era uma tartaruga cuja cabeça entrava vagarosamente na casca limpa e fresca onde só havia lugar para um.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

o fole

A mulher subiu as escadas, pé ante pé, sem querer fazer barulho, o frasco de xarope na mão. Os dois miúdos dormiam. Ao entrar no quarto do mais novo, ouviu a respiração pesada e conteve a angústia. Era menos pesada que antes mas persistia em jeito de fole, como lhe chamara o médico. 
'Maldito fole'
pensou ela, 
'bem que podias estar neste peito em vez de estar nesse pequenino'
Com delicadeza, ergueu o bebé, procurando que ele tomasse o remédio entre sonhos. A criança abriu os olhos, sorriu e lançou-lhe os braços. Rejeitou o xarope por duas vezes e depois desafiou-a com a única troca que o faria ceder: 
'Quero dormir com a mãe.' 
Era contra todas as regras em que acreditava; encolheu os ombros a si mesma e assentiu. O bebé adormeceu rápido, abraçado a ela. E a mulher pensou 
'Que se lixe. Ao menos assim a respiração dele fica mais amparada. E eu fico menos sozinha.'

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

1956 ou 2012



Ontem, no Episódio nºx da série The Hour...

BEL
(em conversa desesperada com a mãe)
Porque é que as mulheres têm de ser casadas? Ou não casadas? Os homens não têm de ser nada disso!!! Podem dormir com quantas mulheres quiserem sem que nenhum rótulo lhes seja colado, podem ter uma carreira!Por que é que nós não podemos ter uma carreira?!


A série passa-se em 1956. Any comments?

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

a parte que nos toca

A mulher pediu à empregada que abrisse portas e janelas. Estava farta de doenças refasteladas nos sofás, da crise colada aos écrans dos televisores,da falta de oxigénio. Como se não bastasse, alguém havia dito que andava um pouco vaga nas suas mensagens. Arejar era mesmo necessário, tinha a certeza. Talvez assim se livrasse de muita coisa indesejável e, quem sabe, amanhã poderia ser um novo dia."Como diz a autora, a vida faz-se segundo o nosso design", pensou, "façamos então a nossa parte".

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

no mesmo saco

Odeio desonestidade. Odeio falta de coragem. Odeio mentira. Ou seja, basicamente, odeio gente que não encara, que não é leal, que não respeita compromissos nem paga as suas dívidas. Incrível como tanta coisa feia se pode juntar num saco só. Regra geral, junta-se; e nunca vem só.
Dizem os esotéricos ou os visionários que as mudanças que se estão a operar neste mundo vão dividir ainda mais as águas e separar de forma  mais gritante os chamados bons dos chamados maus dos contos infantis. Acredito que assim seja e quero mesmo acreditar que assim será. Podem todos ficar do outro lado da rua; assim nunca os perderei de vista mas também não cruzarei jamais o passeio.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

de sobra

Segundo dia na Oficina de Escrita. Não sobram mais palavras. Entusiasmo, sempre.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

dream of

"Life is an adventure of our own design, intersected by faith and a series of lucky and unlucky accidents".

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

em conserva

Um furinho abriu-se e o ar saiu todo. Alguém gritou por um penso rápido e uma bomba de ar. Ela manteve-se calada. Sabia que, naquele momento, apenas isso poderia conservar o ar que ainda restava.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

que dia é hoje?

A mulher irritou-se consigo própria, riscou, rasgou, sacrificou, tornou a dar de novo e também se surpreendeu com o que anos atrás saíra dos seus seus dedos num qualquer teclado de computador. Era fim de semana mas ela escrevia, escrevia sem parar. Quando é assim, não importa se é fim de semana ou não, são dias de disciplina e de pôr à prova. Duro como o caraças, portanto. Mas um prazer dos diabos, também, como todas as coisas vividas, sentidas, vomitadas do âmago e trabalhadas.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

um bom fim de semana


queridos reis

Descascar uma romã, escolher 3 bagos, trincar cada um e dizer:

Gaspar, Melchior e Baltazar, valei-me desta semente para ter e para dar.

Colocam-se os três bagos numa nota de qualquer valor, dobra-se o mais possível e guarda-se na carteira. No ano seguinte repete-se.

O dinheiro não faltará.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

esfolar, esticar até mais não poder

Hoje, às seis da tarde, começo uma Oficina de Escrita com a Patrícia Reis. Não é a primeira vez com ela, nem a minha estreia em cursos deste género. Ontem alguém me perguntava por que o faço se (na opinião dessa pessoa) sei escrever. Respondi que era pelo desafio, pelo exercício de humildade de me pôr à prova, de absorver ensinamentos de quem o faz com mais frequência do que eu, alguém capaz de descascar e chegar à sistematização das formas, algo que eu ainda não sei fazer (e nem tenho a certeza que queira ou consiga, envolvo-me em demasia com as histórias). É como voltar à primeira classe, exactamente a mesma sensação. Aos seis anos, eu já sabia escrever, orgulhava-me inclusivamente da minha escrita sem erros, mas vivia com a angústia de odiar o exercício da cópia de textos,  desejava saber como juntar as palavras para construir uma história. Essa angústia cresceu comigo, vive comigo, por isso preciso que me estiquem, me esfolem e me desafiem para que eu própria assista ao processo de saber se um dia serei aquilo que desejo: uma verdadeira contadora de histórias por escrito. 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

mudar o mundo

Dizem que delegar é uma das coisas mais difíceis de fazer. Não acho. Pelo menos, no trabalho. Sempre fui capaz de o fazer, por vezes até com piores resultados do que esperava ou com os felizes contemplados não tão felizes quanto isso. Na família, a coisa pia mais fino, aí confesso alguma incapacidade. Rapidamente resolvo, faço, me substituo e me desdobro. Claro que depois pago o preço mas a responsabilidade é apenas minha. Mais uma aprendizagem a pôr em prática em 2012? Venha ela. Este é o ano de também mudar o meu mundo. 

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

limpezas de ano velho










A última semana do ano trouxera-lhe uma violenta dor nas costas e uma constipação tramada com noites em branco, sem sonhos bons. A mulher deitou fora o último lenço do terceiro pacote. A dor no peito era agora um pouco mais ténue. Olhou para a galeria de comprimidos e xarope, lembrou-se dos tormentos reais de Frida e pensou: 'Bah. Limpezas de ano velho'.

(obrigada pela imagem, Alexandra)

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

resoluções para 2012 (parcialmente roubadas)


  1. A palavra culpa foi retirada do dicionário: um enorme aspirador divino levou-a;
  2. A tristeza será apenas um oleado de protecção e nunca chegará ao mais fundo de mim;
  3. Vou escrever muito, muito, muito, e defender esse meu espaço com unhas e dentes;
  4. Não deixarei de dizer o que penso, por mais politicamente incorrecto que seja, e sei que não estou sozinha;
  5. Vou abraçar algumas pessoas com força, um abraço de amor;
  6. Guardarei silêncio quanto à dor de ver os miúdos crescerem e irem embora, sendo certo que voltarão, voltam sempre, garantem-me;
  7. Voltarei a não pensar em dinheiro, tal como já fiz em tempos, e com sucesso;
  8. Voltarei a ler que nem uma louca, coisas estranhas, romances, peças de teatro, revistas e jornais e blogs, os graffitis pela cidade e atirar-me a terrenos menos conhecidos como a poesia; 
  9. Direi a todos os que amo – que não são muitos – que os amo, direi mais vezes e nunca será o suficiente;
  10. Apenas estarei com quem gosto, quem me faz bem e realmente me aprecia; os invejosos, os cínicos, os mal resolvidos ou os mal formados podem ficar nas suas vidas.
  11. Só me zangarei comigo se não cumprir o que está escrito nas linhas de cima;
(Direitos de Autor: parte desta lista foi roubada à Patrícia Reis - frases a itálico. A ela os meus agradecimentos. Mais resoluções existem mas essas, perdoem-me, ficam guardadinhas num caderno verde que levo sempre comigo.)

domingo, 1 de janeiro de 2012

supernova



A mulher esperou por ele em casa, no sossego, sem vontade de ruído ou nenhuma gente.
Dois mil e doze chegou em velocidade de supernova. E como numa supernova, mudará o mundo e a vida no completar de um ciclo iniciado há menos de meia dúzia de anos atrás. O mundo acabará, tal como diziam os Maias. Mas não como o interpretavam os cristãos, demasiado rápidos nas traduções à letra de profecias consideradas pagãs por não serem da mesma cor. O mundo tal como o conhecemos em hábitos, costumes, usuras, desperdício e ausência de valores, vai finalmente acabar. 'Que querem que vos diga, pela minha parte fico feliz'. Procurou o seu caderno de vida, escolheu uma caneta e esperou pelo dia seguinte para escrever a maneira como acreditava que iria construir um novo ano, uma nova vida.

(a foto, linda, é da Mónica Mosqueira do Amaral)