quarta-feira, 24 de agosto de 2011

até dia 31

Podia-lhes chamar queimar os últimos cartuchos. Eu prefiro referir-me a estes dias como os dias de colo sereno e sabedor. São os dias em que levo os meus filhos a simplesmente estarem e gozarem os seus avós. Não prescindo deles por nada deste mundo. Tenho consciência de que cada ano é um bónus.
Até dia 31.

repousar

Há imagens que me fazem parar de pensar e me deixam repousar sobre si mesmas sem precisar de mais nada. Deve ser por isso que gosto do verbo repousar. Significa pousar de novo, desta vez dentro de nós.

(As fotos são de Jennifer Squires, indecentemente roubadas por mim para as partilhar.)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

eu posso estar aqui

Um lugar destes por ano. Parece-me um objectivo bastante razoável.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

era domingo

A porta fechou-se. Ela seguiu os risos e tagarelice do filho mais novo a afastar-se na rua, o pai procurando interromper o discurso sôfrego da criança que de repente descobre a mestria da fala e o prazer de ser entendida. Enquanto isso, o miúdo mais velho dormia no quarto ao lado. Ela esticou-se na cama, procurou não dar ouvidos às culpas e deixou-se preguiçar como gostava, devorando um bom livro. Afinal, era domingo como há mais de dois anos não era, havia nuvens no céu, e por certo iria chover.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

lisboa na rua

A Orquestra de Matosinhos arrancou os acordes da primeira música. O miúdo e eu entreolhámo-nos e sorrimos: nas nossas cabeças tinham disparado já mil imagens de filmes conhecidos de tempos passados, os tempos dos gangsters, os anos quarenta, um strip lânguido e lento num bar dos anos 30.
Tudo se passou ontem em simultâneo num Largo de São Carlosrepleto de gente, caras de aqui, de ali e do resto do mundo, aproveitando o som e a energia dos músicos de jazz da Orquestra.
É o Lisboa na Rua ou Com'Out Lisbon, mais uma iniciativa imperdível destes Verões na nossa cidade nos quais sobram excelentes eventos e faltam agendas em dias e horas para poder assistir.

(Fica aqui uma pequeníssima amostra de dois que vou perder, com muita pena por não estar cá: A Arte da Big Band:25 de Agosto - L.U.M.E, Lisbon Underground Ensemble, no Jardim de Campolide; Outjazz: 26 de Agosto - Djumbay Jazz, Castelo de São Jorge. Façam o favor de me substituir.)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

os heróis


Gosto de super heróis que têm medos.
Gosto de super heróis que tiveram problemas na infância e que escolheram ser super heróis pela capacidade que tiveram em se superar a si mesmos e aos seus traumas.
Gosto de super heróis sem poderes absolutos que por vezes são derrotados pelos maus, se magoam e se queixam.
Gosto de super heróis que se apaixonam, choram e se comovem.
Gosto de super heróis sem a aparência de plástico.
Gosto de super heróis que se despenteiam, sujam e quebram.
Gosto de super heróis de carne e osso.

Todo e qualquer homem ou mulher podem ser super heróis. Basta que o queiram ser, se reconheçam, se perdoem, e reparem nos outros.

Esse sim é o trabalho heróico.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

os quintais estão cheios de memórias

Gosto dos livros de José Eduardo Agualusa. Gosto muito, mesmo. Gosto da simplicidade, das imagens que projecta de imediato, das metáforas comoventes e muitas vezes sorridentes.
O último livro, Milagrário Pessoal, não é de todo o meu preferido (grande título, no entanto) mas continua a ter aquelas frases que me fazem dobrar folhas no canto inferior direito ou esquerdo e correr para o meu pequeno-caderno-do-momento com a urgência de as copiar para conservar a ilusão de que as não irei perder.
Fica aqui uma das favoritas para alguém como eu que adora a palavra quintal e todas as memórias e associações que a ela se colam e perfumam os espaços em volta...

"Os quintais estão cheios de vozes. Para as escutar, exige-se disponibilidade de espírito, ou seja, tempo e inteligência, soma de qualidades que nos dias que correm poucas pessoas possuem."

terça-feira, 16 de agosto de 2011

a violência

A mulher fechou o livro e a frase ficou a dançar-lhe no espírito:
A violência é uma rendição da inteligência.
Compreendeu então porque determinadas situações lhe provocavam aquele nojo doentio que chegava a atingir o vómito.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

escreva

- Escreva, escreva tudo, de noite ou de dia e especialmente quando a sua mente a quiser baralhar porque a mente baralha sempre. Escreva, faça listas, deite para fora, deite fora o que vai lá dentro, esvazie. E depois, olhe para o que escreveu. Verá como tudo toma uma perspectiva que não tinha na sua cabeça. A perspectiva certa que lhe dará o poder de ver com mais clareza, decidir. Aí é o momento de pegar novamente na caneta e preparar-se para riscar.

A mulher ouviu.
Na cena seguinte da sua vida estava a comprar um caderno lindo e a escrever na capa "só meu".

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

dois sapatos de cabedal

Dois sapatos de cabedal estavam deitados junto à estrada. Um de pé, outro de lado.
"Que miséria", pensou a senhora de sessenta anos, passando de cabelo branco bem penteado, anel de brasão no dedo mindinho, solitários discretos nos lóbulos das orelhas.
"Que horror, será que alguém morreu aqui?", pensou a rapariga apressada, laptop ao ombro, tailleur da Zara do verão passado.
"Que diabo, se não houvesse tanta gente, entravam-me já nos calcantes", disse o homem de mais de quarenta, a garrafa na mão, os passos tropeçando no passeio.
"Este país está uma desgraça", desdenhou o executivo de pernas musculadas, iPOD 63GB.
Dois sapatos de cabedal estavam deitados junto à estrada. Um de pé, outro de lado.
Debaixo dos jacarandás, mesmo ali ao lado, um casal de adolescentes. Ele, descalço, apatetado pela paixão. Ela, louca de tanto a rir com a vitória.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

o regresso

Sentada no escritório, a mulher relembrou a conversa que tivera horas antes. Os ataques de pânico voltaram á sua memória na descrição dos de outrem, bem como a sensação de perda de controle, de identidade, de juízo. Felizmente, pensou ela, no seu caso eram apenas memórias. Como a memória da jura que fizera para si nesses anos de nunca mais considerar que "há coisas que só acontecem a gente histérica". A loucura faz parte de nós, é uma barreira muito fina que se passa e da qual se regressa mais vezes do que imaginamos. Mas o mais importante é nunca adiar o regresso, era essa a mensagem que quisera transmitir durante a conversa.
O telefone tocou, o trabalho fez-se ouvir do outro lado da linha. A mulher voltou ao trabalho com a voz e a atitude. Ao mesmo tempo, a sua mão direita escrevia na agenda do último dia da semana: "telefonar...M."

terça-feira, 9 de agosto de 2011

o verbo escolher

Podemos não saber, podemos não querer reconhecer ou sequer admitir mas a nossa existência constrói-se (ou cria-se que é bem mais giro) pelas nossas escolhas. Escolhemos se queremos ser amadas ou não, escolhemos a forma desse amor com todo, pouco ou nenhum respeito. Escolhemos que caminhos queremos seguir profissionalmente, escolhemos a saúde que desejamos ter, os amigos que ficam, os que serão os eternos temporários e os que podem ir-se embora. E quando não escolhemos nada deixando tudo nas mãos do divino, também estamos a escolher. O mais engraçado é que também podemos fazer a escolha do que queremos ser. Basta tomar consciência. Claro que essas são as escolhas mais difíceis mas também por isso mudam tudo o resto; quando a mudança vem da verdade cá de dentro reflecte-se por fora como um halo especial que depois se alastra e estende pela vida vivida no exterior.
Que bonito é chegar à conclusão que podemos começar uma e outra vez. Reviver-se numa vida só. Haja simplesmente coragem e seremos pessoas melhores (só o concebo dessa forma) quando daqui partirmos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

10 best street art works

A jornalista Patrícia Fonseca tem um dos melhores blogues que eu conheço, sobretudo para quem gosta de estar a par dos artigos mais interessantes da media internacional. Chama-se blogkiosk e hoje tem como tema um dos artistas de urban art de que mais gosto, Alexandre Farto aka Vihls, que foi destacado pelo The Guardian no seu artigo The 10 best street art works. A não perder.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

estar juntas e rir

Ela contou: cerca de 20 mails em apenas dois dias. Sorriu. Não há nada como a dinâmica de um grupo de seis amigas quando decidem juntar-se para uma viagem de fim de semana. Únicos objectivos: estar juntas e rir. 'Ainda faltam dois meses', pensou, 'e já me dói a pele da cara de tantas gargalhadas'. Há coisas que realmente não se podem trocar por nada desta vida. O Amor das amigas é uma delas.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

o que nos pode valer

Pernas e braços ficaram de súbito demasiado grandes. A penugem da infância explode agora em fios mais grossos, insubordinados, em lugares nunca antes imaginados. A voz altera-se, tal como o cabelo. De repente, o espelho existe, reflectindo uma figura, uma cara, servindo como teste de expressões, esgares, trejeitos que possam ser úteis no social da coca-cola. As opiniões definitivas tomam forma, o silêncio é o recato da individualidade, o mistério impõe-se, faz parte. A família fica em segundo plano (mas é o porto de abrigo jamais confessado para os momentos difíceis), qualquer frase a mais uma revelação desnecessária, a exposição que não se quer. Conheceram-nos miúdos, desconheçam-nos agora, não somos mais aqueles que julgavam ter na mão, parece ser a regra. O mundo comprime-se nos vinte centímetros em redor e nos micronésimos de segundos onde poderá ser possível captar a atenção mas apenas se se tiver a velocidade e a gentileza de um beija-flor ou a contundência de um supersónico.
Adolescência. Complexa, difícil e insondável. Valha-nos apenas a memória da nossa para conseguir lá chegar. Sem isso, nada feito.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

coisas que eu gostava de ter escrito

Ser feliz é uma responsabilidade muito grande, pouca gente tem coragem.
Clarice Lispector

terça-feira, 2 de agosto de 2011

wall message

Os grafittis são para mim uma forma de arte. Reparo neles, dedico-lhes tempo, fico fascinada com alguns, fotografo-os com o iPhone. Gosto tanto que recentemente lhes dei muitas horas de pestana e neurónios num trabalho para a Faculdade. Sou uma admiradora convicta de Shepard Fairey (obeygiant.com) e de Vihls (Alexandre Farto), além de muitos outros que vejo nas ruas, em blogs ou revistas, dos quais o nome desconheço. Bansky também tem tomado conta da minha atenção. E este motivo que descobri ontem fez-me pensar em uma das razões últimas pelas quais adoro street art. As mensagens, ao serem escritas na rua, dizem do que se vê na rua, aquilo que se torna cada vez mais temporário ou efémero, embora tenhamos dificuldades em o reconhecer. Tal como o Amor, da forma como o concebemos nas nossas maravilhosas e evoluídas sociedades ocidentais.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

a sensação estranha

Depois do telefonema tinha ficado com aquela sensação estranha. Aquela que lhe dizia duas coisas muito simples
1. Não te apetece nada fazer isto, estás a dizer que sim porque achas que precisas disto
2. Isto é tudo treta deste gajo, existem outras intenções por detrás e tu sabes bem que sim
Ficou com aquela coisa a incomodar-lhe a barriga o fim de semana todo. Tomou então a decisão de finalmente dizer não por conveniência. Não a do costume mas a própria. Por sua própria conveniência ou seja, para seu próprio bem, ia dizer não.
Fez o telefonema e, em breves palavras, disse. A mulher sorria ao desligar o telefone: fora fácil respeitar a sua vontade e contrariar os vícios do estabelecido pela Regra Geral dos Medos do Mundo, muito mais fácil do que supusera. A sensação estranha tinha-se transformado numa sensação boa. Ambas tinham o mesmo nome: intuição.