segunda-feira, 30 de abril de 2012

Para I.

Uma amiga recém-descoberta, profissional de mão-cheia, parte amanhã para uma nova vida na África do Sul. Farta deste país nosso maravilhoso mas terrível em matéria de reconhecimento (e pagamento) profissional, fez as malas, organizou-se e resolveu aos cinquenta anos mostrar o que valem vinte anos de trabalho em fotografia. A decisão já a presenteou com dois projectos enormes nos Estados Unidos. Mais virão, tenho a certeza. Desejo-lhe a maior das sortes e sei que a vai ter porque merece. Mas não posso esconder uma pontinha de tristeza pela perda. Afinal pessoas assim não se conhecem todos os dias. Vale-me a convicção de que o mundo é cada vez mais pequeno.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

conversa de raparigas

Uma conversa de raparigas sobre a vida, a adolescência e algumas loucuras. O trabalho ficou para mais tarde e agora termina em beleza. Sabe bem acabar a semana assim. Bom fim de semana.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

intemporal




Um dos filmes da vida do miúdo de quinze anos é O Padrinho. De terça para quarta revisitámos o primeiro. É um prazer rever coisas bem feitas, dizer falas bem escritas em conjunto, descobrir os pormenores que dão a uma obra o seu carácter intemporal. Amanhã à noite espera-nos a parte II e, quem sabe, a parte III. This is an offer we cannot refuse.

terça-feira, 24 de abril de 2012

a fogueira

A mulher, morena, com cara de menina e voz de alma-velha, disse:

"Certos acontecimentos da nossa vida são como quando acendemos uma fogueira. Primeiro ela arde a fogo-vivo, depois, por nossa intervenção, o fogo esmorece, cai. Ficam restos dela muito pretos, aparentemente sem vida. Mas se lhes mexermos, verificamos que algo ainda arde lá por baixo, há brasas do acontecimento que ainda precisam do seu tempo para se apagar. Quando por fim isso acontece, restam as cinzas. Delas vem o renascimento, uma nova força que reforçará de maneira incrível aquilo que somos."

Tudo fazia um enorme sentido. 

segunda-feira, 23 de abril de 2012

fim de semana

Um passeio na Expo e uma viagem de teleférico com o miúdo mais novo a abrir os olhos de espanto, inventando naves espaciais sobrevoando o Tejo ao comando de mãos pequeninas de três anos. À tarde, vestir aventais e gorros de pseudo-chefs e um sem fim de bolachas de manteiga em formas de coração, estrela e homenzinho, entre pequenos roubos gulosos da massa e farinha por todos os lados. À noite, rever a monografia do mais velho, entre ensaios de saxofone e estudos de gramática do castelhano. Uma mudança de quarto de bebé para quarto de pequeno rapaz, com montagem de cama, selecção de brinquedos e roupas para dar a-quem-não-tem, lençóis novos a cheirar a lavado com temas infantis. A par de tudo isto, estudar para uma frequência de Psicologia Social, mas pouco, claramente pouco. Foi hoje e talvez tenha pago caro a falta de tempo. Que se lixe. Aventais aos quadrados e a cara dos miúdos ficarão decerto mais tempo na memória.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

zibubble

A mulher saiu do prédio e considerou que devia dedicar parte do seu tempo à escolha dos materiais:


- Textura?
- Fina, por favor, como uma pele. Mas resistente, como uma película elástica, quase pele-de-golfinho.
- Côr?
- Azul gelo, mas transparente... pelo menos translúcida.
- Toque?
- Na aparência, delicado, suave... mas forte. Daqueles que se empurra com o dedo e o envolve mas apenas quebrável com os meus. 
- Forma?
- Essa é fácil: redonda, claro.


Engatou a primeira mudança do automóvel e seguiu para a vida. Agora tinha a sua bolha. Podia descansar.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

esponja



Eu também. Mas o que mais me irrita em mim mesma não são os medos bobos como o das baratas ou as coragens absurdas como a de ser capaz de defender de forma absolutamente inconsciente os meus filhos, venha o gigante que vier. O que mais me irrita é ficar parada, bloqueada no tempo e no espaço, sem acção. Isso sim, tira-me do sério. Porque não sou eu. Ou, por outra, sou eu na versão esponja absorvendo tudo o que não devo.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

margaret

"Watch your thoughts, for they become words. Watch your words, for they become actions. Watch your actions, for they become...habits. Watch your habits, for they become your character. And watch your character, for it becomes your destiny! What we think we become. My father always said that, and I think I am fine."
Margaret Thatcher

terça-feira, 17 de abril de 2012

a pêra

E de repente ela lembrou-se da pêra. Da história de uma pêra descascada com cuidado e vagar para alguém de quem se gostava. Sem necessidade de pedidos, de forma natural, espontânea. De como aquele alguém se comovera e se apaixonara por causa de uma pêra que, afinal, não era apenas uma pêra mas antes o símbolo de tomar conta como se protege um pequenino. A história não era dela mas ficara guardada na sua memória. O Amor faz-se e mantém-se com histórias como estas.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

release and let go


Devagar se vai ao longe, pensou a mulher. A frase era um clichée daqueles ensinados aos pequeninos. Mas em determinados momentos, servia, assentava que nem uma luva, sobretudo quando a paciência era testada e o espírito ganhava resiliência para mais um degrau alto a subir.
Um professor americano dissera certa vez, num workshop de yoga, breath, release and let go. A frase ficara-lhe para sempre como uma aspirina. Respirou fundo, libertou o ar devagarinho e deixou a impaciência partir.

(Obrigada Xana pela imagem. Tu não sabes mas roubei-ta.)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

homenagem a uma Senhora

A Senhora tem oitenta e um anos. De físico. De espírito e cabeça é mais jovem que muitos jovens. Quando eu tinha treze anos, colocou um maço de cigarros em cima da mesa e disse

Se quiseres começar a fumar, aqui tens. Sabes o mal que me faz mas nunca precisarás de fazê-lo ás escondidas, se quiseres começar, começa consciente, começa na minha companhia.

A inteligência dela fez com que para mim não existissem frutos proibidos apetecíveis. Entre outras coisas, graças a ela, apenas comecei a fumar aos vinte e um, soube tudo sobre as drogas muito cedo, com a total abertura que sempre demonstrou, certamente pontuada por laivos de receio como todos os das mães de filhos adolescentes mas com uma sabedoria acima da média.

A Senhora foi hoje ao seu controle semestral de um cancro sentido na pele e num pulmão há cinco anos. A Senhora está de perfeita saúde. Obrigada Senhores dos céus porque esta Senhora, com ésse bem grande, é a minha mãe e ainda tem muito para ensinar. E, para quê dizer o contrário, o colo dela, mesmo aos meus quarenta e sete, ainda sabe a benção.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

de volta

O tempo não tem mesmo expressão definida, pensou a mulher enquanto revia as três últimas semanas e sentia o cansaço de demasiada coisa vivida numa dor aguda entre o pescoço e o braço direito. O tempo era mesmo relativo e por vezes os senhores lá de cima colocavam provas duras e difíceis diante dos seres humanos como a presença e a ausência de luz ou a velocidade supersónica com que determinados acontecimentos se sucediam, quase sem margem para um suspiro, como se finalmente obrigassem a ver o que muitas vezes não se queria ver. Reagir, agora, era a palavra de ordem. Reagir e reunir forças para novas etapas. São estas a oportunidades de uma vida, rematou ela.