quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O que faz uma fotografia

Quando era miúda, os meus melhores amigos eram rapazes. Acho que eu era demasiado inocente e as raparigas, - salvo honrosas excepções, salvé querida Quicas! - com as hormonas muito em alta e bem mais descaradas que eu, passavam-me a perna muitas vezes. Se hoje não suporto deslealdades e as resolvo com a mais absoluta das indiferenças, na altura magoavam-me a um ponto difícil de suportar. Exageros de adolescente. Mas o certo era que os meus melhores amigos eram rapazes, homenzinhos fantásticos que não davam o dito por não dito, não me traíam por causa do gajo mais giro do Verão, e ainda me faziam rir, me acompanhavam a casa às tantas e tal da noite (sublimes cavalheiros). Com eles partilhei muitas coisas importantes que hoje estão de pedra e cal na memória construindo um património de carinho muito especial e comovente. Confesso que não estou com eles todos os dias e com alguns passaram mesmo alguns anos, mas tudo o que importa está cá.
Este texto nasce por causa de uma fotografia muito querida que um deles teve a felicidade de colocar no wall do seu facebook. Por causa dela muitas outras lembranças dispararam no coração. Por isso, queridos amigos, agora aguentem-se porque não consigo resistir a vos dizer isto: obrigada António, João, Francisco, Pedro, Rui, Diogo, Alexandre, Raul, Zé Paulo e todos aqueles de que não me lembre agora. A minha adolescência não teria sido igual sem os vossos disparates, as nossas noitadas, os nossos dias infindáveis de praia, as nossas conversas mais ou menos sérias.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Baralhar o que está certo

O contabilista, sessenta anos de passos seguros e contas bem cumpridas, encostou-se na cadeira
- Como vai fazer?


Ela sorriu reflectindo por segundos na sua talvez inconsciência
- Não consigo de maneira nenhuma encarar isto como um problema. Antes pelo contrário, penso que é uma oportunidade.


A cara dele iluminou-se
- É por isso que gosto de trabalhar consigo. Baralha sempre o que eu penso que está certo.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Discurso de Obama na abertura do ano escolar

Se a população americana não se tivesse mobilizado sem precedentes, este homem não seria hoje Presidente dos Estados Unidos da América. E, entre outros, os estudantes teriam perdido a oportunidade de escutar um discurso de abertura do ano escolar, absolutamente brilhante. Fica aqui o discurso, na esperança de que pelo menos nós o passemos aos nossos filhos dando-lhes a verdadeira dimensão de como são importantes e da responsabilidade que é fazer parte de uma nação.





Sei que para muitos de vocês hoje é o primeiro dia de aulas, e para os que entraram para o jardim infantil, para a escola primária ou secundária, é o primeiro dia numa nova escola, por isso é compreensível que estejam um pouco nervosos. Também deve haver alguns alunos mais velhos, contentes por saberem que já só lhes falta um ano. Mas, estejam em que ano estiverem, muitos devem ter pena por as férias de Verão terem acabado e já não poderem ficar até mais tarde na cama.


Também conheço essa sensação. Quando era miúdo, a minha família viveu alguns anos na Indonésia e a minha mãe não tinha dinheiro para me mandar para a escola onde andavam os outros miúdos americanos. Foi por isso que ela decidiu dar-me ela própria umas lições extras, segunda a sexta-feira, às 4h30 da manhã.


A ideia de me levantar àquela hora não me agradava por aí além. Adormeci muitas vezes sentado à mesa da cozinha. Mas quando eu me queixava a minha mãe respondia-me: "Olha que isto para mim também não é pêra doce, meu malandro..."


Tenho consciência de que alguns de vocês ainda estão a adaptar-se ao regresso às aulas, mas hoje estou aqui porque tenho um assunto importante a discutir convosco. Quero falar convosco da vossa educação e daquilo que se espera de vocês neste novo ano escolar.


Já fiz muitos discursos sobre educação, e falei muito de responsabilidade. Falei da responsabilidade dos vossos professores de vos motivarem, de vos fazerem ter vontade de aprender. Falei da responsabilidade dos vossos pais de vos manterem no bom caminho, de se assegurarem de que vocês fazem os trabalhos de casa e não passam o dia à frente da televisão ou a jogar com a Xbox. Falei da responsabilidade do vosso governo de estabelecer padrões elevados, de apoiar os professores e os directores das escolas e de melhorar as que não estão a funcionar bem e onde os alunos não têm as oportunidades que merecem.


No entanto, a verdade é que nem os professores e os pais mais dedicados, nem as melhores escolas do mundo são capazes do que quer que seja se vocês não assumirem as vossas responsabilidades. Se vocês não forem às aulas, não prestarem atenção a esses professores, aos vossos avós e aos outros adultos e não trabalharem duramente, como terão de fazer se quiserem ser bem sucedidos.


E hoje é nesse assunto que quero concentrar-me: na responsabilidade de cada um de vocês pela sua própria educação.


Todos vocês são bons em alguma coisa. Não há nenhum que não tenha alguma coisa a dar. E é a vocês que cabe descobrir do que se trata. É essa oportunidade que a educação vos proporciona.


Talvez tenham a capacidade de ser bons escritores - suficientemente bons para escreverem livros ou artigos para jornais -, mas se não fizerem o trabalho de Inglês podem nunca vir a sabê-lo. Talvez sejam pessoas inovadoras ou inventores - quem sabe capazes de criar o próximo iPhone ou um novo medicamento ou vacina -, mas se não fizerem o projecto de Ciências podem não vir a percebê-lo. Talvez possam vir a ser mayors ou senadores, ou juízes do Supremo Tribunal, mas se não participarem nos debates dos clubes da vossa escola podem nunca vir a sabê-lo.


No entanto, escolham o que escolherem fazer com a vossa vida, garanto-vos que não será possível a não ser que estudem. Querem ser médicos, professores ou polícias? Querem ser enfermeiros, arquitectos, advogados ou militares? Para qualquer dessas carreiras é preciso ter estudos. Não podem deixar a escola e esperar arranjar um bom emprego. Têm de trabalhar, estudar, aprender para isso.


E não é só para as vossas vidas e para o vosso futuro que isto é importante. O que vocês fizerem com os vossos estudos vai decidir nada mais nada menos que o futuro do nosso país. Aquilo que aprenderem na escola agora vai decidir se enquanto país estaremos à altura dos desafios do futuro.


Vão precisar dos conhecimentos e das competências que se aprendem e desenvolvem nas ciências e na matemática para curar doenças como o cancro e a sida e para desenvolver novas tecnologias energéticas que protejam o ambiente. Vão precisar da penetração e do sentido crítico que se desenvolvem na história e nas ciências sociais para que deixe de haver pobres e sem-abrigo, para combater o crime e a discriminação e para tornar o nosso país mais justo e mais livre. Vão precisar da criatividade e do engenho que se desenvolvem em todas as disciplinas para criar novas empresas que criem novos empregos e desenvolvam a economia.


Precisamos que todos vocês desenvolvam os vossos talentos, competências e intelectos para ajudarem a resolver os nossos problemas mais difíceis. Se não o fizerem - se abandonarem a escola -, não é só a vocês mesmos que estão a abandonar, é ao vosso país.


Eu sei que não é fácil ter bons resultados na escola. Tenho consciência de que muitos têm dificuldades na vossa vida que dificultam a tarefa de se concentrarem nos estudos. Percebo isso, e sei do que estou a falar. O meu pai deixou a nossa família quando eu tinha dois anos e eu fui criado só pela minha mãe, que teve muitas vezes dificuldade em pagar as contas e nem sempre nos conseguia dar as coisas que os outros miúdos tinham. Tive muitas vezes pena de não ter um pai na minha vida. Senti-me sozinho e tive a impressão que não me adaptava, e por isso nem sempre conseguia concentrar-me nos estudos como devia. E a minha vida podia muito bem ter dado para o torto.


Mas tive sorte. Tive muitas segundas oportunidades e consegui ir para a faculdade, estudar Direito e realizar os meus sonhos. A minha mulher, a nossa primeira-dama, Michelle Obama, tem uma história parecida com a minha. Nem o pai nem a mãe dela estudaram e não eram ricos. No entanto, trabalharam muito, e ela própria trabalhou muito para poder frequentar as melhores escolas do nosso país.


Alguns de vocês podem não ter tido estas oportunidades. Talvez não haja nas vossas vidas adultos capazes de vos dar o apoio de que precisam. Quem sabe se não há alguém desempregado e o dinheiro não chega. Pode ser que vivam num bairro pouco seguro ou os vossos amigos queiram levar-vos a fazer coisas que vocês sabem que não estão bem.


Apesar de tudo isso, as circunstâncias da vossa vida - o vosso aspecto, o sítio onde nasceram, o dinheiro que têm, os problemas da vossa família - não são desculpa para não fazerem os vossos trabalhos nem para se portarem mal. Não são desculpa para responderem mal aos vossos professores, para faltarem às aulas ou para desistirem de estudar. Não são desculpa para não estudarem.


A vossa vida actual não vai determinar forçosamente aquilo que vão ser no futuro. Ninguém escreve o vosso destino por vocês. Aqui, nos Estados Unidos, somos nós que decidimos o nosso destino. Somos nós que fazemos o nosso futuro.


E é isso que os jovens como vocês fazem todos os dias em todo o país. Jovens como Jazmin Perez, de Roma, no Texas. Quando a Jazmin foi para a escola não falava inglês. Na terra dela não havia praticamente ninguém que tivesse andado na faculdade, e o mesmo acontecia com os pais dela. No entanto, ela estudou muito, teve boas notas, ganhou uma bolsa de estudos para a Universidade de Brown, e actualmente está a estudar Saúde Pública.


Estou a pensar ainda em Andoni Schultz, de Los Altos, na Califórnia, que aos três anos descobriu que tinha um tumor cerebral. Teve de fazer imensos tratamentos e operações, uma delas que lhe afectou a memória, e por isso teve de estudar muito mais - centenas de horas a mais - que os outros. No entanto, nunca perdeu nenhum ano e agora entrou na faculdade.


E também há o caso da Shantell Steve, da minha cidade, Chicago, no Illinois. Embora tenha saltado de família adoptiva para família adoptiva nos bairros mais degradados, conseguiu arranjar emprego num centro de saúde, organizou um programa para afastar os jovens dos gangues e está prestes a acabar a escola secundária com notas excelentes e a entrar para a faculdade.


A Jazmin, o Andoni e a Shantell não são diferentes de vocês. Enfrentaram dificuldades como as vossas. Mas não desistiram. Decidiram assumir a responsabilidade pelos seus estudos e esforçaram-se por alcançar objectivos. E eu espero que vocês façam o mesmo.


É por isso que hoje me dirijo a cada um de vocês para que estabeleça os seus próprios objectivos para os seus estudos, e para que faça tudo o que for preciso para os alcançar. O vosso objectivo pode ser apenas fazer os trabalhos de casa, prestar atenção às aulas ou ler todos os dias algumas páginas de um livro. Também podem decidir participar numa actividade extracurricular, ou fazer trabalho voluntário na vossa comunidade. Talvez decidam defender miúdos que são vítimas de discriminação, por serem quem são ou pelo seu aspecto, por acreditarem, como eu acredito, que todas as crianças merecem um ambiente seguro em que possam estudar. Ou pode ser que decidam cuidar de vocês mesmos para aprenderem melhor. E é nesse sentido que espero que lavem muitas vezes as mãos e que não vão às aulas se estiverem doentes, para evitarmos que haja muitas pessoas a apanhar gripe neste Outono e neste Inverno.


Mas decidam o que decidirem gostava que se empenhassem. Que trabalhassem duramente. Eu sei que muitas vezes a televisão dá a impressão que podemos ser ricos e bem-sucedidos sem termos de trabalhar - que o vosso caminho para o sucesso passa pelo rap, pelo basquetebol ou por serem estrelas de reality shows -, mas a verdade é que isso é muito pouco provável. A verdade é que o sucesso é muito difícil. Não vão gostar de todas as disciplinas nem de todos os professores. Nem todos os trabalhos vão ser úteis para a vossa vida a curto prazo. E não vão forçosamente alcançar os vossos objectivos à primeira.


No entanto, isso pouco importa. Algumas das pessoas mais bem-sucedidas do mundo são as que sofreram mais fracassos. O primeiro livro do Harry Potter, de J. K. Rowling, foi rejeitado duas vezes antes de ser publicado. Michael Jordan foi expulso da equipa de basquetebol do liceu, perdeu centenas de jogos e falhou milhares de lançamentos ao longo da sua carreira. No entanto, uma vez disse: "Falhei muitas e muitas vezes na minha vida. E foi por isso que fui bem-sucedido."


Estas pessoas alcançaram os seus objectivos porque perceberam que não podemos deixar que os nossos fracassos nos definam - temos de permitir que eles nos ensinem as suas lições. Temos de deixar que nos mostrem o que devemos fazer de maneira diferente quando voltamos a tentar. Não é por nos metermos num sarilho que somos desordeiros. Isso só quer dizer que temos de fazer um esforço maior por nos comportarmos bem. Não é por termos uma má nota que somos estúpidos. Essa nota só quer dizer que temos de estudar mais.


Ninguém nasce bom em nada. Tornamo-nos bons graças ao nosso trabalho. Não entramos para a primeira equipa da universidade a primeira vez que praticamos um desporto. Não acertamos em todas as notas a primeira vez que cantamos uma canção. Temos de praticar. O mesmo acontece com o trabalho da escola. É possível que tenham de fazer um problema de Matemática várias vezes até acertarem, ou de ler muitas vezes um texto até o perceberem, ou de fazer um esquema várias vezes antes de poderem entregá-lo.


Não tenham medo de fazer perguntas. Não tenham medo de pedir ajuda quando precisarem. Eu todos os dias o faço. Pedir ajuda não é um sinal de fraqueza, é um sinal de força. Mostra que temos coragem de admitir que não sabemos e de aprender coisas novas. Procurem um adulto em quem confiem - um pai, um avô ou um professor ou treinador - e peçam-lhe que vos ajude.


E mesmo quando estiverem em dificuldades, mesmo quando se sentirem desencorajados e vos parecer que as outras pessoas vos abandonaram - nunca desistam de vocês mesmos. Quando desistirem de vocês mesmos é do vosso país que estão a desistir.


A história da América não é a história dos que desistiram quando as coisas se tornaram difíceis. É a das pessoas que continuaram, que insistiram, que se esforçaram mais, que amavam demasiado o seu país para não darem o seu melhor.


É a história dos estudantes que há 250 anos estavam onde vocês estão agora e fizeram uma revolução e fundaram este país. É a dos estudantes que estavam onde vocês estão há 75 anos e ultrapassaram uma depressão e ganharam uma guerra mundial, lutaram pelos direitos civis e puseram um homem na Lua. É a dos estudantes que estavam onde vocês estão há 20 anos e fundaram a Google, o Twitter e o Facebook e mudaram a maneira como comunicamos uns com os outros.


Por isso hoje quero perguntar-vos qual é o contributo que pretendem fazer. Quais são os problemas que tencionam resolver? Que descobertas pretendem fazer? Quando daqui a 20 ou a 50 ou a 100 anos um presidente vier aqui falar, que vai dizer que vocês fizeram pelo vosso país?


As vossas famílias, os vossos professores e eu estamos a fazer tudo o que podemos para assegurar que vocês têm a educação de que precisam para responder a estas perguntas. Estou a trabalhar duramente para equipar as vossas salas de aulas e pagar os vossos livros, o vosso equipamento e os computadores de que vocês precisam para estudar. E por isso espero que trabalhem a sério este ano, que se esforcem o mais possível em tudo o que fizerem. Espero grandes coisas de todos vocês. Não nos desapontem. Não desapontem as vossas famílias e o vosso país. Façam-nos sentir orgulho em vocês. Tenho a certeza que são capazes.

Agora não se queixem

Quatro confirmações, uma surpresa e uma desgraça marcaram a noite de ontem. 
Que o Sócrates ia ganhar, já se previa. Que a Manuela Ferreira Leite não tinha carisma nem garra para fazer acreditar na mudança, era óbvio. Que o Francisco Louçã ia ter mais votos, um facto. Que a CDU (independentemente do líder) iria afirmar que ganhou (vencem eleições há mais de 30 anos...) também. A única surpresa da noite foi a subida do CDS, graças a uma campanha clara e consistente que com certeza deu alguma esperança a quem se sentia perdido na chamada "direita" (são cada vez mais ridículas estas distinções).
Superior a tudo isto foi a abstenção. Não se fala praticamente do assunto e espanto-me: quase 40% de abstenção não é tema??? Na minha óptica, é, e devia ser tratada com dureza. Alguém devia dizer a todas estas pessoas que não votaram, a vergonha que é. A irresponsabilidade que é. A total ausência de respeito por si e pelo país (que somos todos, não é uma entidade externa a nós, etérea e inalcançável) que representa. Volto a dizer: acho que estas pessoas deviam ter vergonha na cara. Num momento destes, na situação em que o país atravessa, e com a facilidade que 100% da população que pode votar tem para se queixar, é muita falta de civismo. Só espero é que agora comprem um fecho éclair imaginário e o cosam na boca de cada vez que se irritarem com impostos, falta de segurança ou o desemprego lhes chegar às mãos. É que ao não votarem nas mais importantes eleições nacionais, perderam isso mesmo, não têm mais voto na matéria. Até quando vão achar os portugueses que é no queixume de café que se decide o futuro de um país que, por acaso, também é o nosso? Desta vez, meus caros 40%, não há mais ninguém a quem atribuir as culpas. Desta vez, se a mudança não se fez ou, se pelo menos as posições não se extremaram, a enorme responsabilidade é em cerca de 40% de alguém: Vossa.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

E ainda

Às quatro da manhã do dia de hoje o meu bebé completou seis meses. Seis meses de alegrias, descobertas e muitas mas mesmo muitas dádivas de amor a todos os que o rodeiam. Bendito sejas pequenino Vicente.

Self explanatory



quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Luca

Hoje, um dos meus restaurantes preferidos, fechou. E ontem, tivemos uma das mais bonitas despedidas de quem fazia daquele restaurante o que era: um italiano chamado Luca Manissero, doido nas horas, mas já um amigo para além da criatividade dos pratos, do carinho ao cliente e de um profissionalismo que deita por terra muita desta soberba tôla que têm alguns chefs e donos de restaurante portugueses. Ti mancherei, amico
Acho que nunca mais vou passar pela Rua de Santa Marta.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Tord Boontje




Quando chega o Outono, e mesmo com 27 graus, como é o caso de hoje, preciso com urgência que a vida se mostre suave, pouco ruidosa e passe por mim com delicadeza. Não me perguntem porquê mas fico mesmo assim. Como se o regresso ao casulo se impusesse, fujo a sete pés de todos os excessos, quero apenas ficar tranquila e que me deixem na minha paz, imaginando histórias de encantar ao som de uma caixa de música rudimentar. Por isso é tão bom encontrar coisas como o site de Tord Boontje, especialmente este que deixo aqui e que se refere ao mini computador que desenhou para a HP. 
Ainda bem que não é Maio.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

E de repente


Vê-se pela luz. Sente-se pela brisa fresca ao final da tarde; pelos despertares que pedem um aconchego quente. O resto do dia engana: o calor reaparece, acendido por um sol mais tímido. De repente, o Verão está a chegar ao fim. Não sei se tenho pena... a não ser pelo abandono forçado da sandália no pé.


(Esta fotografia linda é de Max Dupain. Roubei-a indecentemente a um dos meus sites favoritos, Design Sponge)

domingo, 20 de setembro de 2009

O rio sobre duas rodas


O rio mostrava-se brilhante, como nos seus melhores dias, acompanhado por um céu azul turquesa. Durante o almoço, paquetes de grande porte disseram-nos adeus e o maior iate do mundo, desenhado por Philip Stark, flutuou vagarosamente diante dos nossos olhos, provocando o disparar em simultâneo de muitas máquinas fotográficas. Contudo, o melhor veio depois. Havia muito tempo que não passeava diante do Tejo. Hoje, descobri a ciclovia que asfaltaram desde a futura Fundação Champalimaud até depois do Cais do Sodré. Que bom. Finalmente o rio pode entrar-nos pelos olhos adentro sobre o deslizar silencioso de duas rodas.  

sábado, 19 de setembro de 2009

Take me


Tenho uma amiga em Marrakesh a visitar hotéis originais. Outro casal a planear uma viagem a Itália em busca das trufas brancas. Mais outra amiga em trabalho agradável em Nova Iorque. Irra. Não viajo há quase um ano. Havia muito tempo que não estava tanto tempo no mesmo lugar. O meu scirocco manifesta-se em pleno, a abstinência de cinto de segurança, passaporte, lugar desconhecido, provoca-me cócegas desagradáveis da cabeça aos pés. 

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

As pernas

- Pense no pior que lhe pode acontecer.
Ela pensou e não encontrou nada. 
Olhou para baixo e reconheceu as pernas, agora mais compridas.
Então resolveu que tinha finalmente chegado o momento de caminhar. Para a frente, claro.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A palavra não

A sua vida parecia agora uma série ininterrupta de nãos. Daqueles que é preciso dizer mas que custa muito porque magoam quem os ouve. Respirou fundo. Lembrou-se da frase que repetia para si mesma nos últimos tempos: "saber dizer não sem medo é afastar um inferno interior". E então, disse "não", mais uma vez. A velha culpa voltou. Mas o alívio recém-conhecido soprou-a bem forte para os confins de todos os universos nas suas múltiplas dimensões.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

A importância do erro

A máquina maravilhosa estava a arranjar há meses. Por isso, a ânsia do miúdo era grande em recuperar um dos seus grandes prazeres, para além da leitura e dos desenhos diminutos que retratam cenários impressionantes e complexos de história.
Ao chegar a casa do colégio, vibrou de alegria: o computador tinha regressado. Ao lado dele, estava uma caixa com uma placa de hardware. Pensou: tenho de a montar, não aguento a espera. O miúdo nunca se tinha atrevido a desmontar o computador. Era por demais precioso. Mas hoje, decidiu atrever-se, provar a todos que era capaz. Perdeu uma hora entre parafusos, fios, fichas e chips. E depois, ligou a máquina. Satisfeito, deu gritos de alegria, pensando que, agora sim, estaria tudo bem.
Afinal não estava. Ele tinha cometido o erro de retirar a placa certa por não saber que a caixa de cartão afinal apenas estava lá para conservar a antiga. Tentou repô-la, sem sucesso: o computador tinha perdido de novo a sua vitalidade. Então, chorou de desgosto e frustração.
Ao deitar, perguntou:
- Mãe, achas mesmo que vai ser um problema simples de resolver?
- Não sei, espero que sim. Mas sei que pelo menos fizeste uma coisa que nunca te tinhas atrevido a fazer antes. Isso é muito bom.
Não fui capaz de me zangar com ele ou de o recriminar. Pareceu-me mais importante valorizar o esforço. Vida de mãe tem destas coisas.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A maior empresa do mundo


Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver
apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
tornar-se um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...
Fernando Pessoa

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A salvação pela escrita

- Eu escrevo para me salvar.
Disse a minha amiga Susana. A frase bateu-me, fazendo sentido cá dentro. Imediatamente, senti a pena de não ter sido eu a pensá-la porque a sentir já ficou minha. Grande e querida Susana.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

As voltas da vida

Há um ano atrás tudo era diferente. Não havia um bebé com cinco meses e já com dois dentes. O escritório era outro, embora no mesmo pátio. Trabalhava full time, enquanto agora sinto-me a recomeçar tudo. Não havia um livro e a urgência de despejar outro no papel. O miúdo mais velho tinha bastante menos centímetros e o olhar ainda era de criança. No canil, viviam quatro cães. E acima de tudo, sentia-me mais leve. Agora sei que o caminho já se desenhava, vagarosa e silenciosamente. É nestes dias que gostava de ser criança de novo para procurar o colo fácil da minha mãe.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Principe dos cães

Hoje, à uma da tarde, tivemos de dizer adeus a um amigo especial. Infelizmente, só pôde ser um adeus à distância. Resta-nos a pena de não lhe ter feito mais festas, de não lhe agradecer mais vezes o amor incondicional. O único consolo é saber que foi o melhor para ele, mas mesmo esse não chega. Obrigada por tudo Tobias, príncipe dos cães.

domingo, 6 de setembro de 2009

O Medo, esse personagem tão real

"Olhei-o inquieto. Alguma coisa mudara nele, falava com entusiasmo, os olhos brilhantes:
- O Medo é a minha especialidade. Eu desenho ambientes propiciadores do Medo. Estudei durante anos a arquitectura do Medo. Formei-me em Moscovo, lá, na Praça Lubianka. Conhece a Praça Lubianka? Ah, as saudades que eu tenho da Praça Lubianka! O Medo degrada as pessoas, meu caro jovem. Se você mantiver a pressão, semanas, meses a fio, o Medo acaba por funcionar como uma doença. Ao princípio é apenas um incómodo persistente, como uma dor de dentes, como uma dor de cabeça, uma dor que se instala no espírito, e vai corroendo tudo. Pouco a pouco a pessoa começa a alterar o seu comportamento, começa a imaginar situações de perigo. Torna-se paranóica, perde o gosto pela vida e entra em depressão. Eventualmente mata-se."

Fala do personagem Beningno dos Anjos Negreiros 
em "Barroco Tropical"

bring a Book and Cook


Há quatro dias que não escrevo aqui. A verdade é que me faltaram as palavras. Era mais fácil dar a desculpa habitual do "não tive tempo" mas seria mentira. Não, estava antes seca, sem vontade de dizer, sem espírito para abrir os meus olhos e ver.
Hoje, no entanto, algo de muito positivo aconteceu: uma grande amiga teve uma ideia maravilhosa e eu, tive o privilégio de fazer parte da primeira de muitas sessões da mesma. É muito simples: um grupo de pessoas que não precisam de se conhecer muito bem, são convidadas a trazer um livro, um CD ou um DVD e a partilhá-lo com os restantes. Para além disso, devem trazer uma sobremesa, um prato apetitoso ou uma bebida, contribuindo assim para o jantar de todos e, não menos importante, fraldas, toalhitas, champôs ou outra coisa qualquer que possa ajudar a associação Ajuda de Berço. Foi divertido, giro e cheguei agora, cheia de vontade de comprar mais um punhado de livros e com curiosidade de conhecer melhor muitas das pessoas que lá estavam. A iniciativa chama-se "Bring a book and cook" e é mais uma das ideias que esta minha amiga muito sabiamente sabe sempre pôr em prática. Parabéns Isabelinha.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

A cápsula

Sentia-se envolta numa cápsula transparente como se flutuasse invisível aos olhos dos outros. Na Duque de Loulé, tocou à campainha e entrou.
Duas horas depois, saiu, sentindo que a cápsula se partira em mil bocadinhos e que o alívio que imaginara se transformara num cansaço profundo, daqueles que pesam. Conduziu para casa, por vezes aliviando o acelerador, noutras pressionando-o pela saudade dos sorrisos inocentes. A tensão, esperava-a; a culpa colou-se-lhe ao pescoço como corda bem trençada. Não deixou. Afastou-as com as palavras que fazem a força da verdade.
Fez o jantar. Deu banho a quem não sabia tratar de si. Depois, o cansaço trepou, implacável, por ela acima. Contudo, sentia-se limpa. "Dói-me terrivelmente a cabeça", pensou, "É o medo a soltar os seus últimos suspiros".