sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Barcelona me mata

Dragones, sílfides, hadas, demonios, brujas, flores, frutas, color y olor a mar mediterráneo. Un pez de oro. Una torre redonda inmaculada. Una familia que es iglesia y por ello sagrada. Dalí, Picasso, Miró, Tapiés y Gaudí en overdosis. Gente guapa. Mucha gente guapa. Hasta el Lunes, benvinguts a Barcelona.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Deste mundo e do outro

Olhou para o miúdo. O semblante era de adulto, sério. O que tens, perguntou-lhe. Ele respondeu que se sentia meio triste. Ela quis saber porquê. As pessoas andam todas chateadas, mãe. As pessoas andam todas chateadas, pensou ela, que grande verdade e que grande merda que isto tenha de passar para eles. As pessoas pequeninas não precisam de levar com estas coisas. É o mundo dos adultos que lhes deveria estar reservado para mais tarde. Um mundo tão cáustico, hoje em dia, que nem sequer lhes damos a benesse de passarem incólumes por entre as gotas da desesperança. Achou que devia fazer alguma coisa. No elevador, abraçou-o com beijos: nós não estamos chateados e eu adoro estar contigo. Havia mais gente no compartimento. Reparou numa velhinha de conto de fadas que olhava fixamente para eles. A senhora sorriu e disse ao miúdo: sabe bem, não sabe? A frase desfez a nostalgia dele num sorriso. As portas abriram-se e a idade dela avançou.
Antes de sair fez uma festa na pele dele: muitas felicidades para os dois; dá gosto assistir a tanta ternura. Tinhas razão, mãe, voltou a criança sem deixar de sorrir, há pessoas que não estão chateadas. É verdade, pensou ela. E são deste mundo.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A mil

Uma estrela a pairar sobre o asfalto. Uma senhora loira com pescoço de cisne negro. Uma máquina de lavar pendurada no peito. Uma fechadura sem fechadura que é um caleidoscópio. Árvores sem tronco com copas floridas de azul. Chapéus que engolem coelhos. Coelhos que devoram tigres. Borboletas que descolam de cabeças de alfinetes. Mares de espuma e só ela....
Que bom é ter ideias. Que bom é ter ideias. Que bom é ter ideias.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Rainha da Curiosidade

Os Reis Magos adiantaram-se. Talvez por já serem muito velhinhos, trocaram as datas e deixaram-me um presente. No entanto, o rei Baltazar percebeu: "é 25... de Novembro!". Os outros acharam feio levá-lo de volta, e então fizeram-me prometer que só o abriria na Primavera. Eu disse que sim mas pedi para saber o que é: "só um bocadinho". Não me disseram tudo. Só sei que é um rapaz e que se vai chamar Vicente. Suficiente para ser o melhor que alguma vez poderia receber.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Let it snow, let it snow

Abriu a persiana do quarto: o cinzento-claro do céu acotovelou-a. Reagiu: "acorda, está a nevar!". O puto, sem tempo de esfregar os olhos, saltou nas pernas e encostou o nariz à janela. Com um sorriso sonolento, disse: "cola o teu aqui, também, mãe".
Passados poucos minutos estavam ambos lá fora, numa cidade que não era a sua, perfeitamente transformados em miúdos.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Mind the gap

Todos os anos faço questão de fazer uma viagem com o meu filho e os meus pais. Tenho a convicção de que os netos devem gozar os avós ao máximo; devem ter a oportunidade de absorver todo o seu conhecimento e experiência, até porque na condição de avô ou avó isso é muito mais agradável. Os pais sentem a responsabilidade de nos ensinar pelo que geralmente parece seca. Quando são os avós, é fantasia; são sótãos carregados de antiguidades que nos chegam em forma de fábulas. Não admira que as bocas se abram e os olhos sonhem: os pais dos nossos pais não nos transmitem conhecimento, contam-no. E isso transforma a realidade noutra coisa completamente diferente e muito mais incrível. Só que é verdade, razão pela qual depois podemos contá-la aos amigos e fazer grandes figuras com os avós que iam de barco para África e levavam dois meses in-tei-ri-nhos a lá chegar ou a bisavó indiana que casou com o capitão de mar e guerra...

Amanhã parto para Londres com os três. Em projecto, um fim-de-semana a  visitar as histórias da  Grande História. Na certeza de que pelo menos o meu filho voltará mais rico de família e os meus pais rejuvenescidos pela força do amor.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Imperfeita

Há dias tramados. Há dias em que não se consegue mesmo. Então, percebemos que também faz parte dizer "desisto", que o acto de o dizer não faz mal nenhum nem nos torna menos pessoas: a beleza também é imperfeição. Hoje é um desses dias. Escolho o azul, o eterno azul, onde me deixo flutuar sem medo do fundo... podemos sempre empurrar a areia lá em baixo... para depois regressar à superfície plenos de frescura por dentro.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Voltar

Alguém muito sábio dissera-lhe uma vez "todos nós temos uma criança cá dentro que vale a pena preservar". A frase confortara-a. Agora faziam sentido todos os momentos em que se permitia ser menina. Nesses, maravilhava-se com coisas tontas, comovia-se com a dimensão da lua cheia, tirava os saltos e pulava no jogo da macaca. 
Ela gostava. Gostava muito de se sentir miúda.
Nessa noite, as luzes acenderam-se espalhando brilhos de estrelas baixas pela cidade. A voz dela, adulta, disse-lhe "são menos bonitas". A voz de criança, agarrada ao coração, respondeu: "são as luzes de Natal; isso é que faz bonito". A boca não resistiu ao desenho do sorriso, os olhos transformaram-se em conta-gotas de felicidade. Aconteceu. Seria assim do primeiro ao último dia da época. Exactamente como todos os anos.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

As minhas Flores

Quando era adolescente tinha poucas amigas e muitos amigos. Eu não percebia porquê e tinha pena. Agora sei que as verdadeiras estavam-me reservadas para mais tarde: nesta fase da minha vida posso orgulhar-me de ter amigas daquelas que se escrevem com maiúsculas bem grandes. São todas lindas por dentro, cheias de força por fora e muitas ainda conseguem fazer parar o trânsito, embora (e isso é que ainda é mais bonito) se estejam nas tintas para o facto. Hoje almocei com uma e fiquei cheia de saudades dela; e, por pura coincidência, sentou-se-nos ao lado, outra, de quem também fiquei com saudades, razão pela qual liguei imediatamente a seguir. 
O entendimento sincero entre amigas não precisa de muitas palavras: a famosa intuição salta passos e explicações, dá sinais de alarme que fazem com que nos falemos às horas mais disparatadas, provoca ataques de riso em simultâneo sem pré-aviso e oferece consolo mesmo se separadas por um fio. A amizade entre mulheres, quando existe, é entre mulheres que antes de mais sabem estar consigo. Precisamente por saberem retiram a solidão da vida de todas porque preenchem espaços e dão conforto, mesmo não estando lá sempre... porque na verdade estão. Estão mesmo. Obrigada minhas flores.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Fechado até segunda para aprendizagem do pessoal

Abram-se os ouvidos. Aguce-se a visão. Estique-se o cérebro em forma de esponja. Liberte-se o coração abrindo todos os espaços de humildade para querer saber mais. Desperte-se a capacidade de encantamento com desconhecido. E depois, deixe-se a mão fluir, levando palavras impensadas, provenientes de lugares sem sítio, para junto de um lápis ou de uma caneta para que possam por fim explodir na forma que só a cada um de nós pertence.
Robert McKee vai estar em Lisboa amanhã, no sábado e no domingo para contar como se conta uma história. 

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O melhor parasita do homem é um cão

Como diz o meu marido, são os maiores parasitas do mundo. Mas são também capazes de um amor sem regras que não é mutável porque fiquemos mais velhos, mais gordos, mais magros, mais cheios de rugas ou sequer insuportavelmente rabugentos. Não; gostam irremediavelmente de nós. Tenho amigos que têm cães como se fossem filhos. Muitas pessoas consideram isso excessivo ou ridículo. É desnecessário irritar-nos com elas. Mais simples é pensar  que talvez nunca tenham recebido um verdadeiro amor incondicional. Que pena.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Cada um tem um globo

"A man travels the world in search of what he needs and returns home to find it."
George Moore

Há um sufoco que me assola de tempos a tempos como um vento quente que despenteia os cabelos e seca a boca sem remédio. Nessas alturas, sei que o meu scirocco chegou e que o meu mundo diário resumiu-se a um metro quadrado. O cinto de segurança, na estrada, no ar ou no mar clamam: tenho de partir. 
Viajar é um vício. Pelo menos para mim. Consigo deixar de fumar, sou capaz de prescindir de 70% do mais puro cacau. Mas sou perfeitamente inútil na habilidade de ficar fechada no meu país. A viagem renova-me interiormente, oferece o cenário perfeito para a minha rebeldia da rotina. Emagreço de prazer com cada pormenor da preparação e da decisão de locais, visitas, contemplações; engordo na permanência a cada história desconhecida, por cada grama do ar de espanto que me enche a boca pela surpresa. Na volta, venho mais rica, mais tolerante, cheia de saudades do meu metro quadrado que novamente se transformou no país que amo.
Daqui a nada estarei em Londres. Depois em Barcelona. Conheço ambas de várias visitas. Isso não interessa nada. Sei que vou para descobrir algo mais. E sei que certamente é sobre mim mesma.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Na floresta

Caminharam juntos durante duas horas e meia. Percorreram relvados identificando cogumelos que apareciam mágicos como se adivinhassem o propósito do passeio. Descobriram os brancos, firmemente escondidos por entre os fios de relva e os outros, tristemente espezinhados pelos carrinhos. Iam vendo alguns, de quando em vez, laranjas-ocre por cima,
brancos-de-neve por baixo; ele espantava-se com eles, imaginando que o veneno lhes estava na seiva e seria capaz de trespassar borracha, sola e pele de sapatos.
Nas paredes de uma depressão na terra, fungos diferentes, de cor creme, escondiam-se aos cachos, procurando passar despercebidos.
Toda a paisagem estava envolta na atmosfera de segredos dos pinheiros, cujos ramos conduziam subtilmente o ar fresco de Inverno para a pele da cara deles, enquanto o sol os acompanhava no seu passo sem passos. Assim, namoraram. Como todas as mães e filhos namoram muitas vezes na vida. 

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Belief

Eu sei que já passaram três dias 
a realidade da eleição deste homem 
continua a fazer 
com que me belisque de manhã 
pela fé na mudança do mundo, 
pelo orgulho de acreditar, sempre.
Yes I can.
Yes you can.
Yes we can.
Yes, we all can.

Crer é poder.
(Fiquei de lágrimas nos olhos quando vi este clip por primeira vez. 
E agora, talvez por tudo se ter confirmado, pela entrega de tanta 
gente antes desesperançada, continuo a emocionar-me.)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Só de maca e para voltar com uma criança nos braços

Ontem fez um ano que vim morar em trabalho aqui para Santos. 
Ontem havia uma prioridade mais prioritária para assinalar, mas hoje, tenho que celebrar. É um facto: eu gosto de trabalhar (arrepelem os cabelos: sim, devo ser realmente mais doida do que alguma vez imaginaram); e adoro ter a sorte de fazer o que faço e sobretudo o privilégio de onde o posso fazer. Estar neste pátio, todos os dias, inspira; mesmo quando os dias estão cinzentos sem pontinha de luz, porque nos imaginamos num bairro escondido de Paris ou Londres... só que estamos em Lisboa-Linda.  Acho que só saio daqui quando as águas fizerem o seu caminho para finalmente me darem a alegria de conhecer a cara daquele que por agora mora cá dentro. 
Mereço uma flor. E este espaço também por me dar tanta coisa sem saber.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

I have a dream

Desde miúda devoro livros. Devia ter uns catorze anos quando os meus pais deixaram cair no meu colo "O Homem", de Irving Wallace. É a história de um negro que chega a Presidente dos Estados Unidos da América por ser o quarto, pelo mero acaso de um acidente tirar a vida ao vencedor das eleições - claramente, um branco -, assim como aos três sucessores imediatos na linha - obviamente brancos, também. A trama, como uma ventosa, agarrou-me do princípio ao fim; acima de tudo, o meu fascínio residia na possibilidade inimaginável de um homem de raça negra chegar à presidência de um dos países que mais tentam disfarçar, sem sucesso, o seu profundo e arraigado racismo. Nunca me esqueci deste livro e da sua mensagem: tudo pode mudar, mesmo o que parece imutável. O dia de hoje é a prova. A América vai ter um Presidente chamado Barack, Hussein e Obama. Vai tê-lo porque a maioria dos votantes acordaram com a sua mensagem e decidiram acreditar na mensagem de um homem fora do sistema. Yes, he did it.
And I sincerely hope and pray that they let him do.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Novembro

O frio húmido trespassa o meu casaco, camisa e camisola, sem pudor e diz "cheguei". Olho para a fileira de pinheiros mais adiante: uma neblina baixa recorta-os em pedaços. Abro a boca e expiro. O calor do meu corpo embate contra a atmosfera gelada da manhã, formando fumo branco de vapor de água. Sorrio, lembrando-me dos fogareiros das castanhas, das mãos que se aquecem no fogo, do cheiro da madeira.
Fumo que sai da boca sempre me falou de Inverno e de contos de fadas, de duendes escondidos nas raízes da árvores e de dragões que só são maus porque têm que defender castelos. Todos os anos volto a gostar de Novembro. Fantasias de pequenina que graças a Deus ainda se mantêm.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Esperanza

As nuvens chegaram sem se fazer anunciar. Carregadas de fúria, negras como breu, trouxeram consigo a discórdia, o conflito, a tristeza. Deixaram-se estar, por muitos dias: o ar sufocou, ouvidos estalaram, exaustos. Ontem finalmente choveu. Copiosamente. Devassaram-se barreiras. A água arrastou mil e uma incertezas, preencheu crateras, lambeu feridas, matou a sede de fé. 
Resta esperar pelo depois, acreditando que a transparência queima e renova a terra, tornando-a fértil de novo.