A mulher sentou-se e decidiu, em primeiro lugar, arrumar a casa. Em actos mecânicos, fez a lista do costume, foi assinalando as tarefas cumpridas, pela primeira vez com frieza, sem orgulhos bacocos por aquilo que sabia ser banal e demasiado fácil para si mesma; estava a arrumar a vida do presente. Depois, fez uma segunda lista, enumerando características que tinha coladas à pele sem serem sua pertença, segundos e terceiros Eus desnecessários, restos do passado dela e de muitas outras. Como se de uma serpente se tratasse, começou a despir essa segunda pele lentamente, riscando a lista, procurando deitar fora, ficar sem restos, não sem alguma angústia e muitas vezes com medo. 'O medo faz parte' disse-se, procurando espantar a razão desnecessária, os truques do jogador.
Finalmente, decidiu que não faria mais listas no que a si própria concernia. Aquilo que desejava para ela deveria ser escrito numa folha de papel com paixão, com vontade, acreditando, como um romance, desta feita verdadeiro. Ela sabia que só assim poderia começar a desbravar a vida do futuro. As melhores histórias da sua existência tinham sido escritas na sua imaginação. Por serem imaginadas com tanto cuidado tinham merecido a possibilidade de se tornarem reais. Agora ela aceitava que tantas vezes se esquecera disso e assim tantas vezes vivera menos.
Com um nó na garganta, misto de excitação e de medo, colocou uma folha branca diante de si e compreendeu o poder universal de apontar a direcção de uma nova história que agora lhe formigava nos dedos. Finalmente decidira que queria ser capaz.
2 comentários:
gosto como sempre
Carlota
obrigada, querida!
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