quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Migalhas de uma história verdadeira

Tiveram uma casa junto a um rio onde, à noite, espreitando por binóculos podiam ver-se elefantes, gazelas e gnus a tomar banho.
Tiveram uma vida repleta de dádivas humanas e de presentes da natureza farta e generosa de África.
Tiveram noites em que as estrelas pareciam ao alcance da mão no céu mais grande do mundo e a via láctea beijava o cruzeiro do sul enquanto escorpião fazia adeus com a cauda para olhos mais crédulos.
Tiveram horizontes mais largos e memórias suficientes para encher baús novos e imaginários no interior de cada um.

Explodiu o terrorismo e assustaram-se com a fragilidade dos filhos.
O verdadeiro golpe veio depois.
Um certo dia, um governador tentou dobrar os princípios dele. A dor de sequer pensar em se vender foi maior que uma catanada, superior à pertença que sentia daquela terra onde não tinha nascido mas que já era sua dona e senhora.
Rasgou a tentativa de suborno e atirou-a em jeito de estalada para o caixote do lixo.
Malas fizeram-se, objectos cheios de histórias foram sufocados em contentores esperando a volta à metrópole.

Diz a minha irmã mais velha que o meu pai nunca mais foi o mesmo depois disso, que perdeu a alegria e a espontaneidade com a volta. Acho que exagera: tenho a certeza que os netos recuperaram pelo menos parte da liberdade que ele sentia do lado de lá do oceano, mais a sul do planeta. Sei no entanto que não foi fácil. E que depois de onze anos de vistas largas, o Algarve com a pequenez e provincianismo das suas mentes da época, castrou uma mulher urbana e sofisticada e certamente calou o ar de um homem livre.

Por isso quando chego a este episódio deste conto verdadeiro, não me apetece relatar mais nada. 
Só agradecer-lhes o facto de ainda estarem connosco e diariamente acrescentarem mais um ponto a tanta riqueza.

Eu não nasci em Angola. 
O que escrevi aqui é apenas uma migalha de todo o brilho que sempre sai dos lábios de Tita e Alberto quando viramos crianças pequeninas e pedimos para desfiarem a sua história mais uma vez.

Essa, a versão integral, fica comigo, para contar devagarinho aos meus.

...the end

Sem comentários: