quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

As meias do meu pai

O meu pai é provavelmente o homem mais inteligente que eu conheço. Estou a falar de inteligência pura, não fabricada, daquelas mesmo mesmo avassaladoras. Não sei de mais ninguém que consiga absorver tanta informação ao mesmo tempo, que a consiga perceber nas suas mais variadas vertentes e que seja capaz de falar de assuntos complicados como se fossem brincadeira de crianças. Outra coisa é ser capaz de andar à velocidade dele; isso é muito mais difícil porque aí depende de nós, de quem o está a ouvir. Ufa, não é pêra doce, não. Ainda por cima porque sempre precisou de dormir pouco e por isso não é invulgar ver-nos a todos ao pequeno almoço com cara estremunhada (e algumas vezes aterrorizada), de boca aberta, a ouvi-lo desenrolar tudo aquilo que o seu cérebro devorou, integrou, mastigou e formou opinião (!) nas escassas horas que separaram o acordar dele do nosso.

Contudo, o meu pai é muito mais que um ser invulgarmente dotado do tão famoso e discutível QI. Se fosse só isso não seria tão original quanto é; provavelmente seria o verdadeiro chato e isso ele definitivamente não é. 
Deve ter sido um dos primeiros vegetariano-macrobióticos que nos anos 70 tinham a coragem de comer arroz integral ao almoço, numa casa cheia de filhos em idade de sentido crítico, com a assistência da super empregada de toda a vida, Emília, mulher-do-Norte-gastronómico. 
No Verão dos meus 14 anos descobriu a "frescura" das túnicas marroquinas e das sandálias, pelo que era frequente vê-lo por Portimão na sua longa vestimenta azul céu, bordada a branco, de pés de fora. 
Na altura, eu e os meus irmãos morríamos de vergonha com muitas destas excentricidades. Hoje, confesso que sorrio de orgulho, porque tenho a sorte de ter tido e continuar a ter um dos pais mais diferentes do mundo. É certo que também tinha um humor que podia variar com a direcção do vento, o que o tornava demasiado imprevisível. É verdade que nunca teve cabeça para o mais prosaico da vida e que sempre que nos levava à escola chegávamos atrasados porque para ele o tempo sempre foi uma coisa relativa. É um facto que fazia as combinações de roupa mais improváveis ou saia de casa com uma meia de cada cor (ou de chinelos). Nada disso é mais importante que a riqueza de matizes que formam a sua personalidade e que nos têm dado tanto ao longo das nossas vidas.

Desculpa lá, pai, se hoje faço uma coisa que detestas: dar-te os parabéns no dia  exacto em que nasceste. Eu sei que preferias que os tivesse dado ontem ou daqui a um mês; mas eu não tenho a liberdade que tu tens e por isso dá-me prazer fazer algumas coisas nas datas certas. É pouco criativo, eu sei, mas olha, apetece-me.

O meu pai, Alberto Quadros, faz hoje 82 anos.
Anda 7 quilómetros todas as manhãs e dia após dia esforça-se por dominar esta coisa moderna chamada computador e internet, para além de muitas outras coisas. É obra.

1 comentário:

Aline da Silva Lopes disse...

Estava procurando mensagens p/ pais que me inspirassem a escrever uma para o meu e me deparei com seu maravilhoso e tocante texto que muito lembrou o meu pai, não pelas excentricidades que diferem os pais de cada um, mas pelo amor comum que nós, filhos, partilhamos.
Parabéns!

Aline