quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Eles choram mudos


A pele dela, era branca como a neve do norte. A dele, era morena pelos fortes genes da Ásia e pela eterna adoração ao sol.

Em Angola, cada poro de Alberto concentrava mais de um quilómetro de estrada ou "picada" percorridos em jipe ou "dois cavalos". E dentro de cada centímetro de pele acumulavam-se centenas de partículas daquilo que visitava e tratava diariamente como médico da natureza: o algodão. Uma vez perguntei como era, os olhos dele brilharam, e explicou

"Ao colher o algodão, os teus dedos devem ter a suavidade de um pianista... têm que se juntar como se fossem uma pinça delicada, como se os quisesses unir para soltar um beijo no ar ou como a mão de uma criança quando começa a descobrir a arte de escrever. Se não souberes aproximar os dedos e com delicadeza puxar pela bola de algodão, ela roça as folhas secas e fica tudo sujo, cheio de pedacinhos..."

Para ele, pouco tempo bastou para que a terra do continente africano deixasse de ter mistérios, mesmo quando as inundações varriam os solos, as pragas de gafanhotos devoravam colheitas ou aquela virava mulher parideira depois de uma queimada a perder de vista. Preguiça nunca foi nome ou alcunha deste homem. Por isso, tinha a profissão certa, a profissão que o obrigava, sem obrigar, a calcorrear centenas de palmos de estrada, favorecendo um espírito errante e uma alma um tudo nada demasiado independente.

Alberto amou África de tal modo que nunca foi capaz de confessar.
Talvez por isso a única vez que o vi chorar foi aqui, e em silêncio, na pequenez destes escassos setecentos e pico quilómetros, ao assistir às imagens de uma Luanda recém-independente, caótica, e em pé de guerra.

Os verdadeiros homens choram mudos. E não gostam de explicar porquê.

to be continued...

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