A porta do quarto dos meus pais ficava fechada, à noite, quando todos íamos dormir. Só se transpunha quando havia um motivo de força maior. Dores de barriga eram razão suficiente para a abrir; pelo menos para mim eram, ou talvez eu tivesse o descaramento de filha mais nova que os meus irmãos nunca se tinham atrevido a ter. O facto é que, nessas ocasiões, eu rodava a maçaneta devagarinho e entrava no mundo privado deles. Procurando fazer muito pouco barulho, dizia em surdina "mãe, dói-me aqui". Ela acordava, chegava-se um pouco para lá e eu entrava no rasto quente que o corpo dela tinha deixado. Depois, punha as mãos na minha barriga e dizia "vais ver que vai passar". Demorava muito pouco até um calor especial penetrar na minha pele; o ventre, inexplicavelmente, deixava de doer e eu adormecia nos braços dela.
Nos anos que durou a minha infância estive convencida que as mãos da minha mãe eram mágicas. Quando me tornei adolescente, duvidei disso, como na altura se questiona quase tudo o que vem de quem nos gerou. Depois, fiquei mulher cheia de certezas e considerei que o fenómeno não passava de sugestão. Hoje, acredito que há algo mais. Para além da beleza, para além da experiência que envolve aqueles dedos esguios de unhas perfeitas, existe de facto uma magia ou chamem-lhe o que quiserem. E, se for honesta, sei que apesar da passagem dos tempos e das idiotices que com os anos vêm e vão, nunca deixei de procurar as mãos dela sempre que me senti desamparada.
Ontem, veio visitar-nos. O meu filho mais novo mexia-se na minha barriga. Ela pôs as duas mãos e disse "Olá Vicente, pequenino". A criança não mais parou, em movimentos completamente fora do habitual, sobretudo para quem geralmente reage a mãos desconhecidas com recolhimento. "Avó Tita", parecia dizer, "mal posso esperar por te reconhecer, agora que já sinto quem és."
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