quinta-feira, 1 de agosto de 2013

violeta

Ela tinha um escritório que parecia uma casa pequenina. O espaço ficava num pátio adorável, um dos muitos lugares escondidos desta cidade que parece uma mulher misteriosa, cheia de curvas e recantos silenciosos. Ali, convivia com uma loja de flores, uma companhia que vendia lugares de sonho noutras paragens, designers e um atelier de reparação de móveis antigos cuja dona recuperava memórias de família espalhando fados em voz alta e despudorada. No primeiro Inverno, romântico como o Natal dos sonhos das crianças, sentiu-se transportada a outros lugares; olhando pelas janelas grandes imaginava-se facilmente em Nova Iorque, nos anos setenta de que gostava tanto mas que apenas vivera com poucos anos, embora envolvida pelas músicas dos irmãos mais velhos que lhe tinham criado o bichinho da curiosidade. Era bom estar ali. Aquele escritório tinha sido a sua primeira libertação das grandes empresas onde trabalhara e onde aprendera a detestar as guerras de personalidades; em definitivo, descobrira que a política, com a sua guerrilha e manipulações obscuras não eram nem o seu forte nem o seu ideal de vida. Ela era demasiado directa, demasiado transparente. No pátio, tinha o seu lugar, a solidão que prezava, a independência, a responsabilidade total. Ela gostava disso. Quando chegou o vigésimo primeiro dia de Fevereiro, ofereceu-se um presente de aniversário: um bonsai gigante a que chamou Golias. Era uma árvore generosa, de folhas verdes, carnudas e brilhantes, um super homem, poder-se-ia dizer. A mulher amou o Golias como amava os jacarandás da avenida que conduziam ao escritório mas nessa altura ainda não sabia quanto. Chegou a primeira Primavera e as árvores cantaram de verde. E, já bem próximo do Verão, começaram a colorir-se de violeta e do perfume mais doce do mundo. A avenida não era bonita, nela se misturavam os mais variados cheiros e, em certos dias, a calçada estava suja e peganhenta. Mas era inevitável olhar apenas para o lilás e agradecer. 
A vida mudou. A mulher está noutro lugar, com muitas árvores, lindo também, mas sem jacarandás e sem Golias. Hoje completam-se dois anos desde que deixou o escritório que parecia uma casa pequenina. E até ela que acredita nos ciclos, no fechar necessário de portas sem olhar para trás, não pode deixar de sentir essa palavra tão bonita chamada saudade.

4 comentários:

MY PITANGAS disse...

Princesa... que lindo texto... hoje estive nessa casinha pequenina e liguei-te. tonta. não sabia que dela, já só sentias saudade... curioso ler hoje, estas palavras. não posso deixar de pensar que realmente há pessoas que deixam muito mais do que memórias, num espaço vulgar. és intensa e saudável para comer :) e não te esqueças, as grande mulheres têm sempre escritórios em casas pequeninas :) adoro-te

Anónimo disse...

Ah, assim é que é escrever com génio...parabéns! Bjs Rouco

Hacker maker (Vicente) disse...

oh, querida Manu, muito obrigada, fico sem palavras com o carinho das tuas. Um beijão

Hacker maker (Vicente) disse...

Gostaste, Rouco? Que bom, fico contente. São as histórias que, quando inspirada, sei contar. Um beijo grande