terça-feira, 6 de agosto de 2013

diário de bordo - na primeira casa de todas

Quando éramos pequenos, a casa dos meus pais era suficiente. Hoje, é grande de mais. As memórias viajam pelos três andares, conversam com os livros, antigos e novos, que sempre tiveram espaço importante nas nossas vidas. Olhar para os quartos causa agora estranheza, como se estivessem adormecidos num sono profundo que se iniciou no momento da saída de cada um dos filhos. 
Difícil ver uma casa, outrora tão cheia, agora recheada de pequenos sussurros do passado. É que se nos Invernos éramos seis, nos Verões chegávamos a ser mais de vinte, quando vinham os abuelos, os tios e primas de Espanha, a irmã casada no Chile e os filhos, o irmão mais velho. Subíamos e descíamos os três lances de escada, dezenas de vezes por dia no tráfego intenso das famílias, em passos barulhentos durante o dia ou no nosso caso, as mais novas, pé ante pé a horas avançadas da noite ou madrugada, para não despertar a ira do abuelo Jesus, conservador de gema na sua alma de castelhano verdadero. No presente, vejo os meus pais calcorrearem a escadaria e custa-me. 
A esta altura não sei se gosto desta nossa casa. Acho que na minha alma que acredita na necessidade da mudança, preferiria vê-los num lugar mais pequeno, mais liberto de passados, num piso apenas que os acolhesse, os mantivesse confortáveis e cheios de luz. Mas isso sou eu e não tenho o mais pequeno direito de mudar a vida de pessoas tão inteiras que nos deram tanto. Por isso, acabo sempre por voltar ao mesmo estratagema que me ajuda a reduzir a dissonância: ao terceiro dia, procuro enxotar as recordações ou fingir que não as vejo e, ao olhar para as mais de duas dezenas de degraus, penso que o exercício lhes fará bem ao coração.

1 comentário:

Cecília disse...

Que profundamente bonito...