A mulher gesticulava, expondo o seu entusiasmo com os movimentos amplos das mãos, as faíscas dos olhos e os brincos nas orelhas que também pareciam querer dizer qualquer coisa. Contou do ciclo que sentia estar a fechar-se na sua vida, do desfoque longo de que padecera, do acordar repentino num certo dia em que soubera dizer não a uma volta ao passado. Rematou com a certeza de que um novo caminho se desenhava na sua vida, mais outro dos atrevimentos que teria a coragem de fazer e que agora sabia ser aquele e mais nenhum. Rematou:
- Agora só me falta pôr os cotovelos na mesa, perder o medo a que todos chamamos inércia e ganhar velocidade.
O pequeno demónio sorriu e fitando-a com olhos de aço, disse:
- Mudanças dessas aos 45 anos de idade? Emprega-te, rapariga. Ganha mas é juízo.
A mulher agarrou-o com uma mão apenas, transformou-o numa bola bem enrolada e, sem raiva nem rancor, deitou-o para a sanita, puxando o autoclismo logo de seguida. Lavou as mãos, limpou-as com preceito e pensou:
"Menos um".
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