quarta-feira, 20 de maio de 2009

A livraria

Uma vez, numa entrevista, perguntaram-me o que eu salvaria num incêndio hipotético em minha casa no qual eu só pudesse salvar um tipo de coisas. Não hesitei na resposta
"Os meus livros." 
A jornalista ficou espantada 
"Preferiria salvar livros em vez de fotografias?" 
"Claro".
Continua a ser muito "claro" para mim, pelas mesmas e exactas razões da altura. Um livro, ao contrário do que muitos pensam, é um repositório de histórias muito para além daquela que vem lá escrita. Na dobras das folhas, nas dedadas, nas marcas de copos da capa, no quebrar da lombada, ficam impressos os momentos da vida em que o comprámos, como e quando o lemos, a quem o emprestámos, quantas vezes voltámos atrás para rever uma passagem ou pegar de novo no fio da meada. Por isso, não gosto de livros novos, embora seja uma consumidora compulsiva e tenha verdadeiro fascínio por livrarias. Assim que os compro, dobro-os, assino-os religiosamente com o meu nome, mês e ano da compra, e coloco-os na estante esperando gulosamente o momento em que chamarão por mim para os ler. Cada livro é um objecto vivo. O mesmo livro, comprado duas vezes, conta coisas diferentes, razão pela qual eu detestaria perder os meus e motivo pelo qual raramente os empresto. Perder um livro nosso é perder uma parte da nossa vida. Uma parte importante, na qual acrescentámos ao romance da nossa existência as letras e imaginação maravilhosas de alguns, numa união que certamente não foi um acaso.

1 comentário:

Por aí com a Anicas... disse...

Adorei...senti nas suas palavras e dedicação que sente pelos livros aquilo que eu também sinto, um livro é um objecto muito pessoal, muito nosso! Por isso, eu também não gosto muito dos emprestar...senti um turbilhar no meu estomago à medida que lia o seu texto...e uma voz no meu interior que me dizia: "é isso, é verdade, podes crer, a marca do copo, as manchas do café que se entornou, a página rasgada porque o livro estava dentro da mala, é isso...e nunca conseguiste retratar este sentimento com estas palavras...boa...adorei é mesmo isto que sentes ana"...
Agora vou ser sincera, declino me aos seus pés com o maior respeito, porque de facto se tal pergunta me fosse feita (a do incêndio) eu não saberia o que responder...adoro fotografias, adoro recordar aqueles momentos que nem sempre a nossa memória tem capacidade para se lembrar, aqueles pequenos pormenores, tenho dezenas de albuns; adoro ler, tenho dezenas de livros, fica a pergunta o que levaria? Bem, sinceramente, se os cães, se enquadram, tal como se enquadram à luz do Código Civil, como coisas, então nao me restam dúvidas algumas, salvaria as minhas meninas...mas e se nesta pergunta estariam a salvo as minhas cadelas e só pudesse escolher (nesta minha hipótese) os livros ou as fotografias...não saberia responder...se ficasse sem uma destas opções, parte de mim, parte da minha vida ficaria perdida, e eu ficaria com um vazio tremendo que nunca seria compensado, fotografias são únicas, e nenhuma é igual, e os livros...tal como disse o momento em que o compramos, a pessoa que o oferece, e a altura que o dá ...a historia envolvente será sempre diferente...eu não saberia responder, de todo...
Enfim, ficam estas palavras (chatas, se calhar) por forma a agradecer o que acabei de sentir, um alivio, diria eu, por ilustrar aquilo que sinto, com palavras tão belas quanto as suas...obrigada