quarta-feira, 11 de maio de 2011

pedacinho de gente

Ela gostava especialmente destes momentos que se repetiam noite após noite. O miúdo punha a chupeta na boca, agarrava os seus amigos do sono, fechava a porta do quarto, e dizia 'Histo'ia". Ele escolhia o livro, sentavam-se ambos no cadeirão, ele no colo dela. O miúdo apontava o título com o dedo indicador, minúsculo, a deixa certa para a leitura se iniciar. E então ela começava a ler, muitas vezes a mesma história de todas as noites, outras vezes uma nova, ou ainda uma outra que tinha ficado esquecida por algum tempo. A mulher adorava aquele momento em que o tempo se detinha e no qual sentia a criança suspensa pelos acontecimentos do enredo, suspensa das suas palavras, das suas pausas, o calor do seu corpo pequenino contra o dela, a mão direita levemente pousada sobre a sua enquanto virava as páginas.
O miúdo ainda é muito pequeno mas a mulher sabe a velocidade em que as coisas se tornam passado. Por isso não consegue prescindir destas noites, é-lhe muito difícil ter de o fazer. Porque ela sabe. Sabe que aquele pedacinho de gente muito depressa virará gente grande, e mais difícil será tê-lo ao seu colo para lhe ler uma história. Mas sorri. Porque no fundo também sabe que, para ela, ele será sempre isso, um dos seus pedacinhos de gente. E isso, nem ele lhe poderá tirar, nem quando alcançar mais de um metro e oitenta de altura.

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