De repente, é como se naquele dia, naquele momento, tivéssemos calçado umas botas até ao joelho, daquelas com mil atacadores tão complicados que nem ousamos sonhar em as descalçar até chegar a casa, ao final da tarde. E nessas botas, por um buraco diminuto, entrasse uma pedra pequenina que não conseguimos tirar, não sabemos muito bem por onde anda, mas está lá, a chatear, a fazer doer cada centímetro de pele de cada vez que carregamos nela. Ficamos mais lentos, não andamos tão bem, a vida inteira muda: por exemplo, chegamos tarde aos Correios onde deveríamos levantar uma carta da maior importância que teria de ser respondida nesse mesmo dia; ou, pior, chegamos tarde ao colégio e a criança olha para nós com aquela cara que nos parte o coração. Odiamos a pedra mas não a tiramos porque a vergonha de sentar no meio da rua e descalçar a bota tão complicada é maior. Assim, continuamos, atrasando irremediavelmente a nossa vida, culpando a pedra em vez de pensar no simples que seria simplesmente ficar descalços por instantes e retirá-la. Porque é isso que assusta por estúpido que pareça: a exposição de um pé.
Eu adoro andar descalça. Pelo menos sinto tudo o que há para sentir, de bom e de mau; mas sinto. Se piso alguma pedra, é por opção própria. Há pedras muito bonitas na nossa vida.
1 comentário:
Minha Querida,
acabei de ler este texto e senti-me tremer por dentro! Parabéns pelo texto fantástico e por tudo o que conseguiste transmitir através dele!
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