segunda-feira, 15 de julho de 2013

cantankerous git

O jantar de amigos estava na fase do pós-café quando as defesas e algum do pejo já se quebrara, graças ao poder tranquilizante do alcoól ou ao reaproximar de pessoas que não se vêem há tempo e que, por isso, precisam de retomar o contacto, desbravando o terreno do óbvio para chegar (ou não) a territórios mais interessantes.
Lá fora, a mulher estava tranquila, sentia-se em casa, uma sensação que lhe era grata e que fora crescendo nas horas, à medida que se ia sentindo ausente de avaliações e da observação que muitas vezes provocavam a sua fuga física ou mental dos espaços. 
O homem e outra mulher sentaram-se ao lado dela. A conversa começou com um elogio de escrita, ela ficou sem saber o que dizer; e depois, ele, de forma gentil, esticou-a, repreendeu-a, queixou-se das histórias que o deixavam em suspenso e com vontade de ler mais. A mulher ouviu e agradeceu baixinho, quase calada porque a generosidade era algo que sempre a deixava em silêncio. Críticas construtivas são raras neste mundo, assertividade desinteressada ainda mais, ela tomava ambas como dádivas a interiorizar e respeitar. O homem desculpou a sua ousadia descrevendo-se como cantankerous git, uma expressão que ela não ouvia desde os tempos da escola inglesa. Ela pensou que ele gostava de se ver como o rezingão que não era.
De forma hábil, a mulher sacudiu o pó de fada, deixando apenas os pedacinhos brilhantes que contribuiriam para mais alento. Dirigiu a conversa para aqueles que considerava como verdadeiros escritores e suspirou de alívio no agarrar do isco por parte dos outros dois; aliviada, observou como se iam afastando dela enquanto veículo responsável de palavras e histórias, dando espaço a que ficasse dentro da sua bolha, de novo.

Lá dentro, cantavam e ela cantou também, por dentro. Exactamente como pretendia, como muito bem sabia fazer, ninguém viu.

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