quinta-feira, 23 de maio de 2013

na sala dela

Uma vez entrei numa casa em que não havia televisão. Por outras palavras, não havia Televisão. Em vez disso, os quartos das crianças e da adolescente tinham livros, mobiles pendiam dos tectos, jogos e Legos estavam espalhados pelo chão; a sala de estar era uma réplica do mesmo, versão crescida, com aparelhagem de som a completar, uma sala vivida com revistas, jornais e outras obras em estado de uso permanente. Sem conseguir resistir, perguntei onde estava a televisão. Responderam-me que estava na sala dela. Fui espreitar: era um espaço pequeno, que não pretendia ser mais nada a não ser o local onde se ia com um único objectivo: ver televisão. É muito inteligente, ao ponto de se tornar bonito: salvo raras ocasiões, a televisão não une, separa; não favorece o diálogo, antes provoca que se desvaneça no ar. Mas é precisa muita coragem e talvez um imenso amor para se desistir dela da maneira como vi naquela casa: exige a capacidade para realmente querer estar com os outros e consigo mesmo, ou a frontalidade de ser capaz de dizer vou ver televisão, em vez de se fingir que se está ali. Não é para todos porque dá jeito. A televisão cala, a televisão adormece, a televisão entorpece, a televisão grita mais alto, e tudo isso dá um tremendo jeito porque representa a forma mais passiva, cómoda e socialmente aceite que o ser humano tem de fugir à realidade. E ao seu próprio silêncio.

1 comentário:

João Matos disse...

Concordo plenamente. E há muitos anos que tomei a decisão de deixar de ter televisão. Durante 4 anos pura e simplesmente não tive e agora tenho mas muito raramente é ligada. É uma maravilhosa sensação de liberdade. A questão a meu ver é que hoje em dia existem muitas mais fugas da realidade que nos tornam anti-sociais. Há 20 anos a Televisão talvez fosse o principal meio de fuga. Mas hoje em dia a internet está em todo lado. Do computador de casa ao telemóvel, que está sempre connosco. É visível que nos transportes públicos as pessoas não tiram os olhos do smartphone, quando no passado olhavam mais em redor, e talvez aproveitassem esse momento quanto mais não fosse para estarem com elas póprias... Li há uns anos um artigo que dizia que as crianças de hoje em dia perderam muito o interesse pela televisão, tendo outros meios de alienação equivalentes (video jogos, etc...)