Faltavam vinte minutos.
A mulher, meio-vestida, meio-maquilhada, meio-calçada, ouviu o bebé a chorar à porta. Desceu. Como tantos outros desejos das crianças, o miúdo pretendia levar para a escola o seu prato verde berrante de plástico com quatro bolachas Maria. Era importante, quase como se transportasse uma escultura nas mãos pequeninas. Tentou distrair a sua atenção. O bebé teimou, as lágrimas saltando dos olhos em repuxo quase de desenho animado. O pai olhou para o relógio e, sem mais delongas, tirou o prato das mãos dele, pegou-lhe ao colo e saiu para a rua. Choro e lágrimas redobraram e o coração quebrou quando o ouviu chamar por ela. Meio-vestida, meio-maquilhada, meio-calçada, correu para a rua, deu-lhe um beijo e voltou para dentro. Odiava que ele saísse de casa assim.
O telemóvel apitou.
Faltavam apenas dez minutos.
A mulher voou escadas acima, retocou a pele e os olhos, penteou-se, vestiu-se com o preceito da circunstância, ligou o alarme, fechou a porta e arrancou no carro como se não tivesse mais tempo de vida.
Trinta segundos depois, foi obrigada a parar: um camião enorme bloqueava a rua. Dois homens descarregavam mercadorias com uma calma imensa, imunes ao stress dos automobilistas.
A mulher pensou
De facto, não vale a pena.
Faltavam zero minutos para o encontro no átrio do prédio.
Mas sobravam mais quinze até à hora da reunião.
Para quê corremos tanto?
Sem comentários:
Enviar um comentário