quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

a capa


Estes dias eram sempre uma montanha russa para ela. Sempre o tinham sido. Lembrava-se da alegria difícil que lhe embargava a garganta em pequenina, com a visão das luzes, a perspectiva das viagens a Madrid, a reunião com familiares mais e menos queridos. Durante muito tempo mascarara totalmente a época com uma aura de felicidade: uma boa menina não chora e é forte, não precisa de ninguém, não dá preocupações aos adultos; mas os anos e o conhecimento de si mesma tinham-na levado a tomar consciência e a aceitar todas as emoções associadas. Boas e más emoções que sempre tinham convivido com dificuldade, talvez por ser tão fantasiosa ou procurar contos de fadas em qualquer bocadinho de luz. Hoje, continuava a amar Dezembro mas amava-o sabendo que nem tudo era brilho ou paz. Agora aceitava uma certa tristeza que espreitava sempre nestas alturas, engolia a angústia inexplicável que por vezes lhe apertava o peito, e agradecia, agradecia imensamente ainda ter a casa cheia com os mais velhos para ensinar maravilhas aos mais pequeninos. Autorizava-se a rir e a chorar, sem vergonhas ou complexos. Permitia-se maus humores momentâneos, gargalhadas demasiado sonoras, momentos de melancolia, espaços reservados apenas para si. Havia um restinho de exigência que ainda tinha de deitar fora. Talvez fosse um bom desejo para o ano novo, este de abandonar em definitivo a capa de super mulher. Ficava-lhe demasiado grande quando a vestira por primeira vez e tinha sido trabalho de muitos anos descolá-la da pele, ainda sobravam alguns bocadinhos. Talvez dois mil e doze fosse um bom ano para isso. A mulher suspirou e pediu ao oxigénio que a ajudasse. Tinha um bom desafio para os próximos doze meses.

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