terça-feira, 11 de outubro de 2011

venham mais cinco

A senhora, a quem ela chamava Audrey por dentro, tinha acabado a consulta. Agora podia obedecer aos beliscões da preocupação de todos os seis meses: telefonou-lhe. Do lado de lá, a voz soou segura, a médica achara-a muito bem, 'Mercedes nem parece que tens oitenta e um anos', dissera-lhe. A melhor notícia veio depois no tom desafiante com que acrescentou

Sabes, filha, em Novembro já faz cinco anos.

Soava vitoriosa a frase. Pudera. Cinco anos. Como o tempo passa depressa e suave, suave, devagarinho, nos faz esbater o horror de uns dias com a iminência de um fim que não se sabe quão perto está até que o motivo do medo toma forma, se retira e se mata. Contudo, a incerteza do até quando, persiste e dura, ano após ano. Por isso precisamos destas metas médicas, da medalha de ouro dos cinco anos. Aí respiramos de alívio, ainda que saibamos não serem garantia de muita coisa mas apenas quando se quer, quando se ama verdadeiramente a vida mais do que a vontade de descansar.

Ligeira, a sua Audrey despediu-se e desligou a chamada.
Imaginou-a no comboio a caminho da sua casa no sul, os eternos cigarros (que apenas ela fumava daquela forma) guardados na carteira, as mãos compridas e lindas desfolhando as páginas de um livro, em cada uma deixando para trás pedacinhos de medo, em cada linha agradecendo a um pulmão e meio que desde aquela época valiam por dois.

Venham mais cinco assim, pensou. 

5 comentários:

carlos disse...

lindo!
boa!
venham!

Filipa M. disse...

Notícia boa! :)

Hacker maker (Vicente) disse...

obrigada a todos!

Leonor Silva Carvalho disse...

E já passaram 5 anos.
Que bom. ELA merece. MULHER maravilhosa.
E tu também.
Beijos a duas grandes mulheres

Hacker maker (Vicente) disse...

Já viste, Leonor? 5 anos, como passaram depressa. Obrigada a ti também, minha querida, estiveste sempre ao nosso lado, ao meu lado, contigo dava-me ao luxo de poder fraquejar naquela altura.
Um beijo