quinta-feira, 2 de junho de 2011

a câmara lenta

A mulher saiu do escritório eram nove da noite. Saiu depressa e à pressa desceu as escadas, deixando o telemóvel e o livro de companhia desses dias. Queria chegar a casa o quanto antes, dar um beijo ao marido e aos dois filhos, conseguir ler uma história ao mais novo, antes de o deitar. Ao abrir a porta do prédio, contudo, foi como se a vida começasse em câmara-lenta. Era um fim de tarde daqueles. O sol muito baixo mas ainda presente, o ar que se sentia na ponta dos dedos, cálido, nem demasiado húmido nem demasiado seco. A mulher não conseguiu e refreou o passo, inspirando profundamente o cheiro das flores dos jacarandás no caminho curto para o carro. Lá dentro, o relógio disse-lhe 'estás atrasada'; em esforço, ela despertou. Chegou a casa tarde, um resquício de culpa pairou no ar. Ela não deixou e resistiu; o filho mais velho deu-lhe um beijo, o mais novo chamou por ela. Quinze minutos depois da hora habitual de todos os dias, as partes boas da noite tinham-se cumprido.

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