Todos os anos, nesta altura, senta-se no
passeio e observa. Ela gosta de ver sem dizer nada, os poros das sensações
transformando-se em esponjas diminutas absolutamente poderosas.
A calçada está suja como habitualmente, as
pessoas também são as mesmas, ano após ano, que tristeza, pensa. A mulher repara
nas posturas, na graduação do brilho dos olhos, nas formas de caminhar. A
maioria carrega os anos em vez de os ter vivido. Essa não era uma novidade.
Talvez ela se sente ali, todos os Dezembros, esperando uma diferença; ou talvez
seja algo perfeitamente egoísta e na realidade ela veja na ausência de mudança
o espelho de si mesma que um dia esteve bem próximo e que nunca mais quer
ver. Hoje sabe que não está ao seu alcance fazer o que quer que seja pela mudança
de outrem, ter essa expectativa ou sequer ajudar; ela não tem esse direito, ninguém tem. Apenas a sua lhe é acessível,
basta retirar o medo da equação.
A mulher ergue-se do passeio e sacode o pó
de um ano que em breve será passado. As partículas espalham-se pelo ar e depois
pousam dentro da caixa de veludo que ela entretanto abriu. A mulher deixa que
algumas voem para longe enquanto outras ficam firmemente agarradas ao tecido.
Finalmente fecha a caixa e fixa mentalmente o local onde deseja colocá-la. O passado não se enterra, digere-se.
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